23 de dez. de 2006

Música
Uma experiência religiosa
Com uma apresentação sisuda, perfeccionista e repleta de clássicos, Echo and The Bunnymen deixa público curitibano hipnotizado

http://www.rabisco.com.br/78/religiosa.htm
Publicado na revista eletrônica Rabisco, em maio de 2006

Verdade seja dita: o álbum Siberia (2005) é um dos mais fracos que o Echo and The Bunnymen já lançou, assim como o What are you going to do with your life (1999). Não fez diferença nenhuma nele a participação de Hugh Jones, o mesmo produtor do excelente Heaven Up Here (1981). Há muito que o Echo deixou para trás aquela pegada ao mesmo tempo punk e sinistra, como só eles sabiam fazer. Ian McCuloch agora só pensa em se tornar uma espécie de Frank Sinatra. Ultimamente compõe músicas tão piegas quanto o Chris Martin (“What if we are” e “Everything kills you”, em Siberia, exemplificam o que estou falando). Enquanto isso, Will Seargent faz suas experiências psicodélicas e eletrônicas com Glide, seu projeto paralelo, porém no Echo sua criatividade é refreada.

De modo que, graças aos céus, a banda tocou nos shows brasileiros apenas três ou quatro músicas deste já devidamente vilipendiado Siberia, dando preferência aos clássicos de muitos anos atrás. No show realizado em Curitiba (29/04), tal qual no Rio de Janeiro e São Paulo, tudo começou como nos anos 80. Primeiro, o canto gregoriano. Depois, da “phantom” vermelhinha de Will Seargent brotaram os primeiros acordes de “Going Up” (faixa número um do álbum de estréia do Echo, Crocodiles), executada num andamento mais arrastado do que o normal. Isso deixou a música muito mais soturna, mais pesada do que nunca, sendo que o show inteiro seguiria então por essa mesma linha.

“If they’re watching my film, analysing me…”, a voz de McCulloch também soava bem diferente daquilo que ficou registrado em vinil. Desde Electrafixion – banda que Ian e Will formaram na década de 90 –, cristalizou-se nele esse timbre de um homem eternamente gripado, a garganta curtida por tanto fumo e bebida. Pelo menos se Mac não alcança tantas notas como antigamente, a maturidade tem lá suas vantagens e ele hoje não desafina.

“Show of Strength”, do segundo disco, o já citado Heaven Up Here, veio na seqüência, incendiando o reduzido público presente no Curitiba Master Hall. Umas quatrocentas pessoas? Mais ou menos isso. No entanto, fizeram um barulho danado. Afinal, eram todos fãs devotados e cantaram junto com a banda a maioria das músicas, inclusive as de Siberia: o hit “Stormy Weather”, “Of a Life”, a monótona “Scissors in the Sand” e “In the Margins”, na qual Will pôde destilar um pouquinho de seus efeitos “espaciais” na guitarra, tão característicos, como faz em Glide.

Por falar em espacial, o que dizer da vestimenta de Seargent? Um paletó negro abotoado, à la Star Wars, lhe dava um toque de oficial das tropas de Darth Vader. Ian estava igualmente cartunesco, com um visual noir e com seus tradicionais óculos escuros. Os outros jovens músicos acompanhantes, vestidos apenas como “jovens músicos acompanhantes” destoavam completamente dos dois.

O set-list foi completo com uma variedade de clássicos do calibre de “Seven Seas”, “Never Stop”, “Killing Moon”, “Rescue”, “Lips Like Sugar” e por aí afora. Emendaram também covers do Lou Reed, “Take a walk on the wild side”, e The Doors, “Roadhouse Blues”, influências das quais a banda nunca conseguirá se livrar.

No final, o resultado foi uma apresentação bastante séria, perfeccionista e que agradou imensamente a todos os fãs. Se Will Seargent já disse uma vez (é dele aquela idéia de colocar o canto gregoriano) que desejaria que os shows do Echo and The Bunnymen envolvessem o público tal como “numa experiência religiosa”, pois bem: assim foi.

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