18 de mar. de 2010

Memória)))
O guardião da história do rádio
Perfilino Neto conta a história do rádio e celebra 50 anos de carreira


Usado na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) pelas tropas americanas, um rádio de ondas curtas Hammarlund repousa intacto na “casa- museu” do radialista e jornalista Perfilino Neto, na Ladeira do Pepino, no Engenho Velho de Brotas. Assim como o precioso aparelho, Perfilino, 69 anos, até hoje se mantém em sintonia com as ondas radiofônicas da Bahia, do Brasil e do mundo. Completando meio século de carreira, ele continua apresentando programas na Educadora FM - Memória do Rádio e Encontro com o Chorinho - e segue firme como uma espécie de guardião baiano da história do rádio.

Aliás, invento que Perfilino defende ter sido criado pelo padre brasileiro Roberto Landell de Moura (1861-1928), e não pelo italiano Marconi (1874- 1937). O lançamento do livro Memória do Rádio (R$ 40/ 240 páginas) é mais um esforço para passar a história do rádio a limpo. Nesta quinta-feira (18), às 18 horas, o autor promove uma noite de autógrafos na loja de discos Pérola Negra, no Canela, com a presença esperada de músicos amigos como Luiz Caldas, Xangai e Roberto Mendes.

Predadores
O livro é o primeiro de outros volumes que virão, narrando passagens do rádio soteropolitano e também denunciando o descaso que a memória do rádio local tem sofrido. “Demorei um ano para escrever o material. Nele, revelo como a maioria dos diretores de emissoras foi e ainda é predadora do rádio”, afirma. Ele lembra, por exemplo, como uma série de entrevistas feitas pelo respeitável historiador Cid Teixeira foi para a lata do lixo. “Imagine... entrevistas de valor histórico feitas com Jorge Amado, mãe Menininha do Gantois, Glauber Rocha e outras personalidades. Tudo jogado fora, graças a um capricho de José Wilson, o coordenador da rádio na época, que achava esse material obsoleto. No Brasil, a memória vai para o lixo.”

Acervo rico
Perfilino, desde o início da carreira, fez questão de guardar todo o material que achava importante, montando um rico acervo próprio. Pelos seus cálculos, ele tem cerca de 18 mil LPs, 14 mil CDs, seis mil compactos de vinil e três mil fitas K-7. “A chegada do homem à Lua, Juscelino Kubitschek cantando serestas, Pelé dedicando o milésimo gol às crianças, o que você quiser de música ou documento radiofônico eu tenho”, garante.

Ele conta ainda que desenvolve um trabalho contínuo de digitalização de discos raros, transformando-os em mp3 e CDs: “Uso a tecnologia de softwares como o Sound Forge em prol da memória”. Perfilino é vidrado em rádio desde pequeno, quando seu pai trouxe para casa o primeiro Philips valvulado. “Meu pai era um radiomaníaco que não dispensava nem a Voz do Brasil. Como ele, logo fiquei fascinado pelo rádio. Aos 12 anos já sabia que seria radialista.”

Imbatível
O início na profissão foi aos 19, levado por um amigo locutor à Radio Cultura, onde ficou por 43 anos. “Comecei como operador, mas aos poucos estava fazendo de tudo: locução, reportagem e edição”. Na época, exigia- se muito dos futuros radialistas. Era preciso ter cultura geral, saber escrever e ter noções de vários idiomas. Bem diferente de hoje, quando as emissoras investem pouco na formação dos profissionais e muitas apelam para programas popularescos.

O pesquisador acha que, por mais que outros veículos ganhem espaço, o rádio vai se manter imbatível. “Afinal, a TV ou outra mídia visual cobra a presença das pessoas, e o rádio não. Você pode ouvi-lo enquanto está fazendo outras coisas. Lavando louça ou dirigindo, por exemplo.” Na opinião de Perfilino Neto, o rádio também aproveita a modernidade para mudar suas ferramentas, usando o celular e a internet como aliados. Mas, em essência, continua o mesmo.

Encontros com Gonzagão e o papa
Estar em contato com uma porção de artistas e personalidades é para Perfilino Neto uma das melhores coisas de ser radialista e jornalista. “Ao longo de 50 anos de carreira, pude conhecer vários ídolos meus, como Cartola, Moreira da Silva e Jackson do Pandeiro”, lembra o radialista, que também é pesquisador da MPB.

As lendárias rainhas do rádio Emilinha Borba e Marlene também foram entrevistadas por ele: “Impressionante como elas eram simples e acessíveis, bem diferente das estrelas de agora. Os artistas de hoje são muito vaidosos e é uma tremenda dificuldade para falar com eles. Há sempre um empresário ou um segurança no meio”, afirma. Mas, de todas as personalidades, ele destaca o seu encontro com Luiz Gonzaga, em 1974, e com o papa João Paulo II, em 1980.

“Luiz Gonzaga era o ídolo da minha infância, que eu tanto ouvia em Juazeiro. E, quando o entrevistei, fiquei deslumbrado. Já no início da conversa ele começou a brincar comigo. Tirou até sarro do meu nome: ‘Oxe, Perfilino, que nome esquisito! Vou te chamar só pelo teu sobrenome Ferreira Neto’, disse”. A empolgação com o papo foi tão grande que Perfilino conversou com o rei do baião por quatro horas. “Até que ele parou e me disse: ‘Ferreira Neto, seu cabra da peste...’ Aí senti que já era hora de parar.”

Já o encontro com o papa João Paulo II quase lhe rendeu uns safanões.“Na inauguração da Igreja de Nossa Senhora dos Alagados, ao me aproximar do papa para fazer uma pergunta, um segurança de repente me ergueu pelo colarinho. A sorte é que o papa viu aquilo e intercedeu por mim. Nesse meio-tempo, ainda consegui fazer uma pergunta sobre o que ele achava da reforma agrária na América Latina.”

Serviço:
Livro: Memória do Rádio. Autor Perfilino Neto. Editora Couto Coelho. Preço R$ 40 (240 págs.)
Lançamento: Hoje, às 18 horas, na loja Pérola Negra. Rua Marechal Floriano, 28, Canela
Publicado no jornal CORREIO, em 18/03/10

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