17 de mar. de 2010

Artes)))
A OUTRA FACE DO PAISAGISTA
Mais conhecido por seus projetos paisagísticos, Roberto Burle Marx (1909 - 1994) também foi um artista plástico de mão cheia. Na mostra que estréia hoje, na Caixa Cultural Salvador, é possível conferir litografias, gravuras em metal e desenhos do artista

A litografia Itaituba é uma das obras da mostra O Gravador Roberto Burle Marx-Atelier Ymagos

Considerado o inventor do jardim moderno brasileiro, o arquiteto Roberto Burle Marx (1909 - 1994) ainda é mais conhecido por seu trabalho como paisagista. São de sua autoria, por exemplo, os jardins do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro; do Eixo Monumental de Brasília; e do Centro Administrativo da Bahia, em Salvador. Poucos lembram, porém, como este paulistano - que passou grande parte de sua vida no Rio de Janeiro - foi um artista múltiplo, atuando também como pintor, escultor, ceramista, tapeceiro e gravador.

É esta última faceta do artista que o público poderá conferir na exposição O gravador Roberto Burle Marx - atelier Ymagos, aberta para visitação gratuita a partir de quarta-feira, na Caixa Cultural Salvador. Inédita na cidade, a mostra reúne 84 obras produzidas por Burle Marx ao longo de nove anos no atelier paulistano Ymagos. “Em São Paulo e Brasília, por onde passou anteriormente, a exposição fez bastante sucesso por mostrar um lado do Burle Marx que muitos desconheciam”, conta o curador da exposição Sérgio Pizoli.

Ele esclarece que a maioria das peças que serão vistas na Caixa Cultural até o dia abril são feitas em litografia - técnica em que o artista primeiro desenha em tons de preto sobre uma pedra porosa, e só aplica cores na hora de imprimir o desenho em papel -, mas há também gravuras em metal e desenhos em bico de pena.

Grande parte dos trabalhos são imagens abstratas, e apenas três são figurativas. “Como muitos artistas, Burle Marx começou fazendo imagens que representavam objetos ou lugares reais, mas aos poucos foi sentindo a necessidade de ultrapassar a realidade comum, avançando para o abstracionismo", explica Pizoli. Dos trabalhos figurativos, o visitantes irão encontrar apenas três litografias baseadas em paisagens florestais - “verdadeiras obras primas”, na opinião do curador.

Obra aberta
As demais obras da exposição são marcadas por um "abstracionismo lírico” - nas palavras de Pizoli -, em que formas geométricas também apresentam traços figurativos. "Na litografia Luzes da Noite, por exemplo. É uma abstração. Mas você realmente tem uma visão de uma paisagem noturna. Na verdade, o bacana desses trabalhos é que são obras abertas, e no fim cada um vai enxergar uma coisa diferente, de acordo com a sua vivência."

Pizoli ressalta ainda que há obras presentes na mostra que guardam semelhança até mesmo com projetos de jardins de Burle Marx. "É como se tivéssemos plantas baixas, isto é, visões aéreas daquelas paisagens que ele projetava."

Cores e tons
O intenso jogo de cores é outra das principais marcas da mostra. "Utilizando uma técnica difícil como a litografia, é impressionante como ele extraía uma infinidade de efeitos visuais. Quem for à exposição verá então uma grande trama de cores e tons", adianta Patrícia Motta, uma das proprietárias do atelier Ymagos, e que inclusive conviveu com Burle Marx ao longo dos anos 80.

Energia de garoto
“Burle Marx transformava o nosso atelier em uma festa”, lembra Patrícia. “Ele estava sempre cantando, era amigo de todos os impressores e trazia flores exóticas do Rio de Janeiro, só para decorar o ambiente", diz ela, que destaca ainda a inteligência e vitalidade do artista. "Na última fase da vida dele, com mais de 80 anos, ele trabalhava com a energia de um garoto. E ainda fazia expedições com os amigos, para colher plantas e levar mudas para o seu sítio no Rio de Janeiro.”

A paixão pela natureza, que se veria refletida na maioria das obras de Roberto Burle Marx, surgiu cedo na vida do artista e paisagista. Quando criança, foi com a mãe Cecília Burle, uma pernambucana de origem francesa, que Roberto aprendeu a gostar da flora brasileira, acompanhando Cecília no cultivo dos jardins de casa.

Ecologista

Durante o período em que morou com a família na Alemanha - país de origem de seu pai Wilhelm Marx -, entre 1928 e 1929, o interesse pela botânica se intensificou ainda mais. “Foi visitando um jardim botânico na Alemanha, que continha vários exemplares da vegetação brasileira, que ele se descobriu como paisagista e como pesquisador da botânica", diz Sérgio Pizoli.

Daí em diante, esta área da biologia seria alvo constante de seus estudos ao longo da vida - a ponto de Burle Marx descobrir e batizar novas espécies de plantas, como Anthurium burle-marxii e a Begonia burle-marxii.

De acordo com o curador Sérgio Pizoli, graças à paixão pela natureza, Burle Marx se colocou como um dos primeiros artistas brasileiros a levantar sua voz e erigir uma obra contra a devastação do meio ambiente. "Onde está o homem está a destruição", chegou a escrever ele em uma carta de protesto contra a devastação da Amazônia em 1983.

A força exuberante do "verde" propagada por Burle Marx em seus projetos viraria até motivo de brincadeiras do escritor Nelson Rodrigues, que reclamava do "verde obsessivo, apavorante, alucinatório", do paisagista. "Os jardins de Burle Marx não têm flores. Têm grama e não flores. Mas, para que grama, se não somos cabras?", galhofava Nelson.

Modernismo
Ao lado de arquitetos como Lúcio Costa (1902-1998) e Oscar Niemeyer (foi amigo de ambos, e inclusive estudou com Niemeyer na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro), Roberto Burle Marx também esteve à frente da arquitetura moderna no país.

Dentre seus principais feitos, criou o primeiro Parque Ecológico do Recife (em 1937), assim como foi responsável pelo projeto paisagístico do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1955) e do jardim do Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte (1953).

PROJETOS DE BURLE MARX EM SALVADOR

Projeto da praça Terreiro de Jesus, no Centro Histórico
Também em Salvador, Roberto Burle Marx desenvolveu diversos projetos paisagísticos entre as décadas de 50 e 80. Dentre os mais importantes estão o projeto da praça Terreiro de Jesus, diante da Catedral Basílica, no Centro Histórico, e os jardins do Centro Administrativo e da avenida Luís Viana Filho, mais conhecida como Paralela.

Quem informa é o arquiteto Haruyoshi Ono, que trabalhou com Burle Marx por quase 30 anos. Ono diz que o escritório do paisagista também desenvolveu projetos para condomínios e hotéis da cidade, a exemplo do Othon Palace. Ele lamenta, porém, que a maioria dos projetos criados por Burle Marx esteja descaracterizada. "As estruturas dos espaços muitas vezes até permanecem, mas a vegetação original normalmente é alterada." Segundo Ono, a situação se repete em muitas outras cidades. "Até mesmo no Rio, onde Burle Marx passou a maior parte da vida, os projetos originais dele não são respeitados."


Publicado no jornal CORREIO em 16/03/10

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