27 de jul. de 2009

DRAMATURGIA DO FUTURO
A criação de textos para teatro é instigada e discutida na oficina de dramaturgia do SESI Paraná. Até dezembro, uma série de novas peças serão escritas
Fotos: Franco Fuchs



Eles podiam estar em suas casas, meditando solitários se as peças que escrevem estão ou não no caminho certo. Também podiam colher opiniões de amigos, ou dos atores que depois vão interpretar esses textos. Seria mais confortável. Mas não. Em uma terça-feira, quase meia-noite, um bando heterogêneo de dramaturgos (de 20 a 60 anos, alguns iniciantes, outros tarimbados) ocupa o palco do teatro José Maria Santos.

Sentados em cadeiras escolares, ouvem atentos um carioca incansável chamado Roberto Alvim (na foto, em primeiro plano) que, com seus comentários, é capaz de reduzir a pó qualquer projeto de peça genial. Esse grupo faz parte de uma oficina de criação dramatúrgica que integra um projeto maior, intitulado Núcleo de Dramaturgia SESI Paraná. Os encontros da oficina, iniciados em abril, acontecem a cada 15 dias, com duas turmas de 20 pessoas. A ideia é que, até dezembro, cada dramaturgo tenha escrito uma peça nova.

BASE TEÓRICA
A esta altura do ano, as reuniões da oficina estão em uma fase bem prática, mas vale frisar que tudo começou com muita teoria, ministrada pelo dramaturgo, diretor e professor de teatro, Roberto Alvim. “Vocês leram as peças do Pinter que eu passei, né?”, perguntou o carioca já no início de um encontro presenciado pela reportagem.

Harold Pinter (1930-2008), este vencedor do prêmio Nobel e um dos expoentes do teatro do absurdo, é um dos autores contemporâneos mais citados por Alvim, que fala sobre o dramaturgo inglês com a autoridade de um estudioso e de quem encenou no ano passado a peça O Quarto (The Room, 1957).

“As possibilidades da dramaturgia contemporânea se ampliaram muito depois que Pinter aboliu as relações causais em suas peças”, explica Alvim. Ele observa também a seus pupilos como Pinter dosa bastante as informações que fornece sobre seus personagens, diferente de muitos autores que já entregam tudo de bandeja, o que tira o interesse dos espectadores. “E de que maneira a tensão se estabelece nas peças de Pinter?”, interroga, diante da turma silenciosa. “Pinter trabalha com as incertezas. A gente nunca sabe realmente o que está acontecendo nas peças dele.”

Alvim então se empolga e traça esquemas na lousa, expondo as artimanhas utilizadas tanto por obscuros dramaturgos siberianos, feito os Irmãos Presniakov, como pelo roteirista de Sexta-feira 13.

Mas com tanto conteúdo transmitido, faz questão de frisar que ninguém precisa saber de todas as técnicas para escrever uma boa peça. “Se você dominar alguns fundamentos e conseguir dar significados novos a eles, é o suficiente.”

HORA DO CONFRONTO

Cenas recém escritas são lidas e debatidas

Iniciantes ou veteranos, todos os dramaturgos concordam. Não é fácil expor um texto em processo e lidar com as críticas e sugestões inusitadas que surgem na oficina.

“Fico um pouco nervosa antes de ouvir os comentários dos colegas”, conta a dramaturga Pagu Leal, 34 anos, autora de, entre outras peças, Instruções para lavar roupa suja (2007) e Difícil amor (2004). “Ainda mais que não tenho o hábito de conversar muito sobre a minha criação. Sou daquelas que já leva o texto pronto aos atores. Esse diálogo com a turma então tem sido interessante. Um pouco traumático, às vezes, mas interessante.”

Para a dramaturga Giulia Crocetti, 20 anos, a situação é parecida. Mas ela acrescenta que, com o tempo, todos os integrantes da oficina vão ficando mais confortáveis com a ideia de se criticarem mutuamente. “Quando questionaram coisas da peça que estou escrevendo [Rebotalho, a primeira obra que ela pretende concluir], eu adorei. Levei numa boa. Perguntaram, por exemplo, qual era a finalidade de um trem que aparece na minha história [a locomotiva atormenta três personagens chamados A, B e C, que vivem em um futuro apocalíptico, explica a autora]. Percebi então que havia faltado clareza, o que me levou a repensar o que eu tinha feito.”

Também iniciante na dramaturgia, Otavio Linhares, 31 anos, é outro que lida bem com as críticas. “Afinal você não faz arte pra si mesmo, senão você fica em casa”, diz. “Sinto que as pessoas, quando comentam os trabalhos dos outros aqui, fazem com a intenção de ajudar, e não para jogar uma pá de areia.”

Mas quando julgamentos mais duros surgem, e eles sempre surgem, o próprio Alvim deixa claro aos dramaturgos. “Filtrem o que eu disser. Se algo faz sentido pra você, aproveite o conselho. Do contrário, esqueça. Às vezes falo coisas terríveis sobre algum texto, mas o autor insiste na sua ideia e depois me mostra algo surpreendente.”
* LEIA AQUI UMA CENA escrita pelo dramaturgo Otavio Linhares. É a parte final de sua peça (ainda sem título).

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