12 de dez. de 2008

Literatura)))
A poesia da vida em um livro de contos
Em Para que as árvores não tombem de pé, Maria Célia Martirani apresenta uma prosa burilada e carregada de sentimento



Quinze anos depois de lançar seu primeiro livro de contos, o pouco divulgado Recontando (editora Edicon), Maria Célia Martirani, escritora paulistana, radicada em Curitiba, retorna ao cenário literário com a publicação de Para que as árvores não tombem de pé/ Affinché gli alberi non cadano in piedi, pela Travessa dos Editores.

O livro surge com 41 textos curtos e já nasce internacional em sua edição bilíngüe, português – italiano. A tradução ficou a cargo do professor Carlo Baldessari e da própria Maria Célia, que é também professora de italiano.

Em Para que as árvores não tombem de pé, Maria reafirma o domínio de sua arte. Como em Recontando, mais do que apresentar enredos mirabolantes, ela prioriza um trabalho de linguagem e explora ao máximo a sua capacidade de descrever os estados da alma de seus personagens.

Dessa forma, consegue criar textos que, mesmo sem grandes peripécias, apresentam elementos de tensão. Como o conto “Laranjas e Metal”. Externamente, nele nada acontece. Tem-se apenas um velho solitário diante de uma fruteira vazia. Porém, quando um narrador passa a revelar o que existe no íntimo desse ancião, eis que brotam conflitos que em um primeiro momento estavam invisíveis:

A vida toda, inteira e só a ela dedicara as chamas vívidas do sentimento “que arde sem doer”. Que acabou doendo, doeu muito e ainda doía, já que inevitável a partida. Que o deixassem, então estar quieto, remoendo sossegado seus silêncios... Urgia fechar-se à trepidação ruidosa dos veículos lá fora, para compenetrado, sentir a pulsação compassada e larga dos trens de dentro, estendendo-se roucos e lentos pelas infindáveis curvas de seu lembrar.

Outro exemplo é o “conto-parábola” que dá nome ao livro. Este narra simplesmente a trajetória de um pinheiro que, por sua rigidez excessiva, acaba tombando um dia. Mesmo com este enredo exíguo, ao seu modo, o conto oferece suspense, que é construído através de uma seqüência precisa de palavras, vírgulas e sinais de reticências empregados por Maria Célia.

A queda, sempre fatal. Nada que amenizasse o desalinho das copas verdíssimas, caindo em abandono. Susto, estremecimento... E aquele ruído surdo, compacto, fulminante... Assim caíam todas as nobres madeiras de lei, as de hirtos troncos, envergadura encorpada. Nelas havia uma beleza triste, até mesmo no tombo...

Ao leitor de primeira viagem que esteja muito apegado a textos secos e velozes, é bom avisar: quando ler Para que as árvores não tombem de pé, deixe a ansiedade de lado e embarque no ritmo de cada história. A prosa de Maria Célia Martirani é calma e tão certeira quanto a anaconda que deglute o malvado, no conto “O índio que estourou”.

Não conseguiu nem gritar, quando, abruptamente, uma jibóia viscosa e gigante lhe enroscou as pernas, derrubando-o na água. Estrangulou-o, numa tortura lenta e úmida. Triturou-lhe os ossos e passou a engoli-lo inteiro, devagar. Ainda era cedo e tinha todo tempo para ingerir suas carnes...

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