1 de fev. de 2008

+ Leituras
Finos no tamanho e na prosa

“No verão as pessoas procuram leituras leves, como bolachas de chope, rótulos de bronzeador e romances policiais.”
(Luís Fernando Veríssimo, no conto O Caso Ló )

Aproveitando o mote de Luís Fernando Veríssimo, eis aqui dois livros finos - no tamanho e na prosa - que sugiro a vocês como boas leituras de verão: os contos de Ronda Noturna, de Cadão Volpato, e a novela Um Crime Delicado, de Sérgio Sant'Anna.


Ronda Noturna (Iluminuras, 1995, 95 págs.)

Os cinco contos deste primeiro livro de Cadão Volpato (que além de escritor é jornalista e músico) podem ser lidos de uma sentada. Descrevê-los, porém, é um tanto difícil. Muita coisa acontece neles, mas nada de realmente conclusivo. São histórias que não possuem bem um começo. Elas já começam pelo meio, em desenvolvimento, e terminam sem apresentar uma conclusão.

Depois que o seu pai morre, como será o futuro de Lotte, a garota germanófila cujo nome dá título a um conto? Não há como saber. Em A Sagrada Família é um Imenso Dente Podre, por exemplo, somos levados a conhecer lembranças de infância de um narrador, lembranças que são trazidas à tona com vivacidade e, algumas páginas depois, são interrompidas, sem mais nem menos.

O mesmo acontece em Constelação, em que temos a história de um grupo de pessoas que assalta um banco, fingindo ser da quadrilha de Carlos Marighuella. O conto termina no meio de uma fuga, até então bem sucedida, para Santos. Já em O Professor da Noite, Cadão faz um recorte do decadente cotidiano de um professor trotskista, enquanto em Ronda Noturna temos trechos da vida de um heroinômano que, em crise com a esposa no Brasil, vai passar uma temporada na Holanda, na casa de um amigo.

Se por um lado a ausência de finais de impacto nesses contos pode desagradar certas pessoas, a riqueza de detalhes descritivos que Cadão apresenta em seu texto e a completa imprevisibilidade no desenvolvimento desses enredos faz com que a leitura deste livrinho seja deveras instigante e prazerosa.



Um Crime Delicado (Companhia das Letras, 1997, 132 págs.)

Nesta novela (que em 2005 virou filme dirigido por Beto Brant) do carioca Sérgio Sant’Anna, o narrador é um crítico de teatro chamado Antônio Martins, um sujeito excêntrico e de meia-idade, que é acusado de um crime e, portanto, escreve um livro a fim de fornecer as suas versões sobre os fatos.

Nesse sentido a obra se aproxima da novela O Túnel (1948), do argentino Ernesto Sábato, em que um pintor narra como assassinou a única mulher que compreendia os seus quadros. Todavia, diferente de O Túnel, Um crime Delicado não é nem um pouco trágico ou sério. No fundo é apenas uma comédia intelectual amarrada pelo mistério do suposto crime, que não vou revelar aqui.

Tudo bem que eu esperava mais da personagem Inês, a inusitada musa por quem o crítico se apaixona. Gostaria igualmente que os personagens da “gangue” do pintor Vitório Brancatti fossem mais bem desenvolvidos, assim como o processo criminal movido contra o crítico poderia ter um desdobramento maior... Enfim, o desfecho da história toda poderia ser melhor, mas a leitura do livro vale pelo humor refinado – que surge quando o narrador assume as suas fraquezas e o seu lado patético – e pelas interessantes reflexões sobre o ofício de um crítico.

“(...) Expliquei que o crítico é um tipo muito especial de artista, que não produz obras mas vai apertando o cerco em torno daqueles que o fazem, espremendo-os, para que eles exijam de si sempre mais e mais, na perseguição daquela obra imaginária, mítica, impossível, da qual o crítico seria co-autor.”

(Trecho de Um Crime delicado, pág. 28)

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