31 de mar. de 2010

Teatro)))
Pra pensar o negro
Algumas reflexões sobre Negrinha e Cabaré da Raça, peças que vi, não faz muito tempo, aqui em Salvador

Buscar entender o que foi a escravidão, assim como refletir sobre o racismo não eram coisas que eu fazia muito em Curitiba. É certo que a imbecilidade da discriminação sempre me incomodou. Mas vivendo em um ambiente não tão negro assim, confesso que não me sentia muito estimulado a pensar nisso.

Morando em Salvador é diferente. Na capital que possui a maior população negra do Brasil, as discussões sobre esse universo são constantes. E fica bem mais difícil se abster de pensar nesse assunto sério, mesmo para um branquelo como eu. Nesse sentido, recentemente foi muito bom ter assistido a peças de teatro como Negrinha e Cabaré da Raça.

No caso de Negrinha, nem é um produção soteropolitana, como muitos sabem. Mas foi em Salvador, no dia 5 de março, mais especificamente no casarão do Instituto Feminino de Cultura, que puder ver esse monólogo. Basicamente, ele resgata o período da escravidão através dos relatos de uma criança negra que passou a vida levando croques dos senhores na casa grande e vendo gente ser torturada na senzala.

Quem faz o papel da Negrinha é a atriz Sara Antunes – uma das fundadoras do Grupo XIX de Teatro, companhia radicada na capital paulista. Com sua personagem, criada a partir de um conto homônimo de Monteiro Lobato, Sara nos lembra o tanto que o povo negro foi vilipendiado ao longo do período oficial de escravidão, e como ele se manteve cativo e marginalizado mesmo após o 13 de maio.

E se em Negrinha o passado foi vislumbrado criticamente, em Cabaré da Raça, peça dirigida por Márcio Meirelles, era a situação atual do negro que se colocava em pauta. “O negro hoje até aparece mais na televisão mas, quando isso acontece, são as questões do negro que são colocadas na tela?”, questionava um personagem desse cabaré composto por atores que assumiam diversos estereótipos: o negão fodido, o modelo bem sucedido, o malandro, o militante intelectual, só para citar alguns.

Gostei da forma direta com que o Bando de Teatro Olodum questiona o comportamento do negro e vai de encontro aos tabus. Que religião deve o negro adotar? Todo mundo tem que ser de candomblé? Será que o mito do negro "sex-machine" não cria uma imagem reducionista, ofuscando outras de suas potencialidades? Será que o negro não discrimina os seus semelhantes, agindo tal e qual um branco racista? Eis algumas das muitas perguntas que invandiam o palco do Teatro Vila Velha, sendo que muitas respostas foram dadas pela própria plateia, que era convidada a interagir.

Algumas impressões
Apresar de sentir falta de uma complexidade maior na dramaturgia de Negrinha, gostei bastante da desenvoltura da atriz Sara Antunes – que está há três anos excursionando com essa peça. Achei também muito boa a escolha de usar recursos cênicos simples, explorando, por exemplo, a escuridão, luz de velas e objetos domésticos como um pilão ou uma bacia. Tudo isso, bem manejado, prendeu a atenção do público até o fim.

Quanto ao Cabaré da Raça, mais uma vez vi que uma peça educativa pode ser sim muito boa. Isso porque os atores e atrizes do Bando de Teatro Olodum são porretas mesmo, e a peça acerta a mão quando quer ser cômica ou incisiva. Descambar para piadas sem graça ou cair em ofensas gratuitas seria um risco nesse cabaré, mas não foi assim, pelo menos na montagem que vi no último sábado.

Marcadores: , ,