25 de mar. de 2007

O infortúnio é sereno

O ocaso dos italianos anarquistas torna-se belo em Colônia Cecília, peça já consagrada sob a direção de Ademar Guerra, e que volta aos palcos conduzida por João Luiz Fiani


O diretor João Luiz Fiani dedicou o espetáculo a Ademar Guerra, falecido em 1993, e a Lala Schneider, falecida no dia 28 de fevereiro deste ano.

23 anos após ser encenada com muito sucesso por Ademar Guerra para o Teatro de Comédia do Paraná (TCP), Colônia Cecília ganha vida novamente, estreando no primeiro dia do Festival de Teatro de Curitiba.

Num Guairinha quase lotado e fervendo pela falta de ventilação, Colônia Cecília mostrou-se um espetáculo leve, apesar de retratar os percalços e a ruína da experiência anarquista implementada por imigrantes italianos no município de Palmeira, PR, em 1890.

O fato da autora Renata Pallotini apresentar um panorama mais geral do que se passou, ao invés de se aferrar à trajetória de um protagonista, é um dos fatores que fazem a peça ser muito mais reflexiva do que dramática. É claro que o personagem central é Giovanni Rossi (interpretado por Enéas Lour), afinal era ele o principal articulador e idealizador da comuna. Entretanto, o sofrimento e as desventuras que acontecem não são exclusivos dele. São coletivos.

Então vemos os trabalhadores entretidos com suas plantações, com a construção de um moinho, mulheres lavando roupa, e as contradições que essas pessoas enfrentaram. A abolição da propriedade privada é algo fantástico. Mas quem é que quer “socializar” a sua mulher? E o trabalho? E para convencer preguiçoso a pôr a mão na massa? Eis alguns dos obstáculos que os colonos tiveram que enfrentar. Sem contar as dificuldades com a lavoura, a falta de incentivos do estado, cobranças absurdas de impostos e a morte pelo crupe.

Até vir o golpe mais vil e avassalador, perpetrado por um próprio companheiro, o argentino José Gariga, que surrupia todo o dinheiro que eles possuíam. É a decepção total com o ser humano, é o fim da utopia anarquista e da Colônia Cecília.

Porém, mais do que apresentar tal saga como um espetáculo naturalista, ou ser uma peça didática, Colônia Cecília configurou-se mais como um painel poético de todos esses acontecimentos históricos. Digo poético porque há poesia naqueles personagens, mesmo que eles não sejam tão bem desenvolvidos pela dramaturga. Mesmo assim, no pouco que dizem e que agem, sentimos que eles possuem alma.

Mérito de Renata Pallotini, assim como dos atores e da produção como um todo. A iluminação de Beto Bruel, bastante clara e suave ao mesmo tempo, reluzindo nos belos pinheiros criados pelo cenógrafo Leopoldo Baldessar, juntamente com a música feita ao vivo, também contribuíram para completar esse singelo retrato sobre o acaso daqueles que ousaram pôr em prática os seus ideais. E se estreparam, é verdade, mas mesmo assim saímos do teatro sentindo orgulho da coragem que tiveram.


Sobre a primeira montagem de Colônia Cecília

Com texto de Renata Pallotini e direção de Ademar Guerra, Colônia Cecília foi montada pelo TCP em 1984, como uma produção comemorativa aos 100 anos do Teatro Guaíra. Sucesso de público, a peça recebeu o troféu Gralha Azul em cinco categorias: melhor espetáculo, melhor ator (Emílio Pitta), melhor atriz (Lala Schneider), iluminação (Beto Bruel) e composição musical (Cristina Beduschi).

Dos que participaram da primeira montagem e que integram a atual, estão João Luiz Fiani, outrora ator e a agora diretor, e Beto Bruel, iluminador nas duas.

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