4 de abr. de 2007


Uma bomba necessária
Com o monólogo As Nove Partes do Desejo, que estreou no dia 28, no FTC, Clarisse Abujamra nos sensibiliza para a situação dos países em guerra, em especial o Iraque


Clarisse Abujamra em As Nove Partes do Desejo.

Um clima pesado. Muito. Do começo ao fim. E podia ser diferente? As Nove Partes do Desejo, peça escrita pela americana Heather Raffo e que é apresentada pela primeira vez no Brasil, sob a direção de Marcio Aurélio, trata do sofrimento das mulheres iraquianas.

O palco do José Maria Santos é então coberto inteiramente por lona preta. De cima a baixo. Numa escuridão em que nada se distingue, só vemos uma pequena luz num canto, uma vela acesa, e que de repente começa a se mover. A sombra que a carrega, depois se revela como a atriz Clarisse Abujamra, envolta em um negro chador.

No momento ela encarna uma velha à beira de um rio cheio de despojos humanos, mas depois Clarisse se transformaria em muitas outras mulheres, entre elas uma pintora que, mesmo quando poderia ir embora, luta para continuar fazendo arte em seu país, e uma filha de iraquianos que mora nos Estados Unidos.

Teremos assim, nesse monólogo, um panorama sobre o horror que se passa no Iraque destruído pelas guerras e pelo regime ditatorial de Saddam Hussein. Um panorama construído a partir de diversos olhares femininos.


Então vemos mulheres que sofrem por seus maridos (que quando não estão mortos, estão mutilados), por suas crianças (que nascem anômalas ou adoecem gravemente desde cedo, devido às armas químicas), pela terra devastada, e por elas mesmas: desrespeitadas, seviciadas e sem amor.

E assim vamos nos comprimindo em nossas poltronas diante de todos os horrores que são relatados. Finalmente lembramos que do outro lado do mundo existem países que conseguem ser muito piores do que o nosso, e que existem pessoas nesse exato momento padecendo um verdadeiro inferno em vida.

Nesse sentido, nos aproximamos da personagem que mora nos E.U.A e que assiste à guerra pela televisão (nós no momento a assistimos pelo teatro), sofrendo virtualmente. A diferença é que o sofrimento dela não desaparece quando ela desliga a tv, como o nosso desaparecerá quando sairmos daqui. Afinal ela não poderá esquecer que seus familiares iraquianos estão vivendo aquele pesadelo.

Com essa personagem é verdade também que Clarisse deixa o palco um pouquinho mais leve e iluminado, porém isso não impede que eu pegue no sono, mais ou menos na metade do espetáculo.

Se serve como desculpa a este ato nada nobre da minha parte, explico a vocês que eu tinha acordado muito cedo naquela amanhã, e já eram quase onze da noite, aquele teatro escuro...

Até que, eu cochilando, de repente irrompe uma grande explosão, que me faz dar um salto da poltrona na mesma hora. Eram as bombas que caíam sobre o Iraque, matando uma porção de gente, inclusive a personagem pintora. Com isso também sou trazido de volta à peça, que dali a mais alguns minutos se encerra.

Saio do José Maria Santos sonolento, sentindo-me meio mal. Desço a Treze de Maio para pegar o ônibus, e é inevitável que imagens de uma guerra longínqua ainda povoem a minha mente, ao mesmo tempo em que rio do susto que acabei de levar com aquela bomba explodindo.

Já dentro do ônibus é que surge o insight: pensando bem, a peça, com todo o seu peso e a sua contundência, é que foi uma bomba. Das mais necessárias. Só assim para despertar a nossa habitual letargia diante de um assunto tão sério como a guerra.

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