27 de mar. de 2007

Difícil de se definir
Abstrata, provocante, engraçada... Tentar traduzir a experiência de se ver Mecânica, da Companhia Silenciosa, é tarefa complicada

Em Mecânica, várias cenas são construídas a partir do uso de eletrodomésticos, como liquidificador, faca elétrica, vitrola, etc.

Pouco importa que você tenha identificado a telegráfica Peça Coração, de Heiner Müller, no início do espetáculo. Ou que você saiba algo sobre a lei de Kepler ou sobre mitologia grega. Ou sobre motores de carros. Nada disso e nada de muitas outras coisas enunciadas no espetáculo Mecânica – que estreou no dia 23, no Festival de Teatro de Curitiba – fazem diferença.

Na verdade, em Mecânica, tanto ou mais do que identificar, entender uma série de discursos, sejam eles humorísticos, (pseudo)científicos, dramáticos, críticos, etc., a questão reside em apreciar a tudo que é apresentado – forma e conteúdo – de maneira estética. Poética.

Afinal, não é uma peça em que o público acompanha logicamente o desenrolar de uma história, ou mais de uma, com começo, meio e fim. O que vemos são cenas variadas, abstratas, e atores que mais do que encarnar personagens, parecem realizar performances isoladas.

Não obstante, esse caos minuciosamente controlado pela diretora Giorgia Conceição mostra-se muito palatável, instigante de se ver e de se ouvir. Por mais que alguém fique perdido procurando entender alguma coisa, em algum momento o espectador acaba envolvido, de algum jeito.

Seja dando risada de algo intencionalmente patético, como quando os contra-regras à paisana (a própria diretora Giorgia Conceição e Henrique Saidel, responsável pela cenografia) entram no palco e arrumam o cenário ao som de um tecladinho tenebroso de brega; seja se impressionando e também rindo com a inspiradíssima atuação de Léo Glück; seja ficando tonto ou hipnotizado ao ver o ator Fausto Franco dar mais de cinqüenta voltas em torno de si, ao mesmo tempo em que luzes no teto giram também; ou seja se arrepiando ao testemunhar uma menina semi-nua com cabeça de urso (Ana Ferreira) dançando sozinha, com a maior naturalidade.

Alguma coisa, dentro dessas várias cenas desconexas, te pega. Nem que sejam as críticas, um pouco mais óbvias, ao consumismo, ao vazio, à artificialidade tanto da comunicação como das relações humanas. Enfim, dentro da dramaturgia de Léo Glück emanam farpas inclusive para a própria crítica de arte: “Sua obra é graciosa, mas não se entende nada”, assim diz a atriz Ana Ferreira em determinado momento, parodiando um clichê comumente utilizado por jornalistas quando se deparam com obras complexas, seja um filme de David Linch, ou mesmo uma peça como Mecânica.

Todavia, tal chavão não será repetido aqui, não nesta resenha, que também concorda que uma obra de arte não necessariamente precisa ser entendida, ou precisa ter um sentido claro, evidente. Mais do que isso, o importante sempre foi sensibilizar as pessoas de algum modo, e isso Mecânica faz com certeza, de forma singular.

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