9 de mai. de 2007

Teatro
O perigo de um amor mal curado
Na peça Sobre Tempos Fechados, a história do eremita urbano que perdeu o seu amor mostra-se pouco instigante


Por não conseguir superar a perda da amada, personagem está há mais de 20 anos sem sair de casa.

Sobre Tempos Fechados, peça escrita e dirigida por Marcos Damaceno, trata da solidão de um homem que perdeu o grande amor da sua vida e até hoje não conseguiu superar tal derrota. Há mais de 20 anos, ele (seu nome não vem à tona) não sai de casa. Apenas fica sentado em sua poltrona, rememorando a época em que era feliz com a sua amada.

Nós, espectadores, somos então convidados a entrar no lar (construído pelo cenógrafo Daniel Siewek de forma bastante realista no espaço do Teatro Novelas Curitibanas) desse homem (interpretado por Luiz Carlos Pazello) para averiguar por que diabos ele não sai de seu tugúrio. Tornamo-nos, pois, visita, que senta muito próximo dele e de outros visitantes ilustres, como a mãe desse homem (Rosana Stavis) e a sua ex-namorada (Ludmila Nascarella). (Também estão presentes na casa, vale lembrar, os músicos Marcelo Torrone e Edith de Camargo, responsáveis por uma bela trilha sonora ao vivo).

Entretanto, apesar de vermos e ouvirmos a tal namorada que se foi, ela supostamente não está lá, mas apenas na memória do eremita. Ela faz parte de um passado que é evocado quando o homem narra, muitas vezes ajudado pela própria ex-namorada, um pouco da história que viveram juntos.

Aí se destaca o texto de Marcos Damaceno, verdadeiramente literário, preciso, detalhista, e que consegue nos transportar para o passado desse homem, que é também marcado pelo falecimento do pai. Obtemos assim sensuais descrições dos contatos íntimos do outrora casal feliz, descrições melancólicas sobre a figura paterna, e ouvimos relatos engraçados da mãe, senhora irreverente e faladeira.

Todavia, esse mesmo texto hábil não consegue fornecer grande densidade dramática a esses personagens. Com cerca de uma hora de duração, a peça termina e ficamos a ver navios, sem saber absolutamente nada sobre a mulher interpretada por Ludmila Nascarella ou por que motivo ela abandonou aquele homem. Sobre o homem, não somos capazes de sofrer por ele nem de julgá-lo, e não há como saber se ele sairá de seu estado letárgico ou não. Sobre a personalidade ou sobre o destino da mãe, isso nos fica indiferente, visto o comportamento dela seguir um modelo um tanto estereotipado, previsível.

Bem, é evidente que nenhuma peça ou texto possui obrigação de esclarecer fatos tim tim por tim tim. (Lembro agora de Malone Morre, nebulosa novela de Beckett que também tem como protagonista um estranho sujeito que não sai de casa; na verdade não sai nem da cama...) Mas a questão é que Sobre Tempos Fechados não nos deixa instigados com as suas lacunas. O que se apresenta é pouco para nos abalar, para nos deixar com a pulga atrás da orelha.

Mesmo assim, ainda digo que vale a pena assistir à peça, que fica até o dia 13 de maio, no Teatro Novelas Curitibanas. O cuidado e a sensibilidade por trás de cada aspecto da encenação é inegável.

Serviço:
Sobre Tempos Fechados
Teatro Novelas Curitibanas – R. Carlos Cavalcanti, 1222.
Até 13 de maio, de quarta-feira a sábado, às 21h, e domingos, às 20h.
Ingresso: uma lata de leite em pó.

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