4 de mai. de 2007

Artes
Grandes perdas: Rostropovich e Jamil


"Slava" e o "Turco": expoentes da música e da literatura

Em homenagem ao violoncelista russo Mstislav Rostropovich, que faleceu recentemente, no dia 27 de abril, e a Jamil Snege, falecido no dia 16 de maio de 2003, segue o início de um magistral conto de Snege, presente no livro Os Verões da Grande Leitoa Branca (Travessa dos Editores, 2000), o qual, não por acaso, intitula-se: “Em busca de Rostropovich”:

“Gosto dos outonos nublados e frios de Curitiba. Vista aqui do alto, do vigésimo andar, Curitiba lembra um pouco Buenos Aires, a Calle Lavalle, lembra um pouco Lyon, Bruxelas ou outra cidade européia que jamais conheci.

Por um momento essa atmosfera me envolve a ponto de me convencer a vestir o casaco e descer até a rua, predisposto a saciar uma súbita fome intelectual por um bom livro, uma boa música, uma obra de arte qualquer.

Li recentemente que Rostropovich reuniu em álbum* suas principais gravações feitas entre 1950 e 1974, das Bachianas a Schumann e Beethoven, incluindo os dois concertos de Chostacovich.

Eis o pretexto: procurar Rostropovich nas casas especializadas de Curitiba, embora saiba de antemão que será uma busca vã. Já imagino o ar de riso das moças que me atenderão, as consultas ao gerente, as desculpas, mas preciso manter a qualquer custo a atmosfera.

Estou, afinal, numa capital européia – não é disso que a propaganda oficial sempre tentou nos convencer? Não duvido, portanto, de cruzar com o próprio Rostropovich e seu violoncelo no meio da Praça Osório, atrasado para o ensaio de dali a pouco na Escola de Música e Belas Artes do Paraná”.

O conto segue, o personagem – um sujeito de personalidade não muito diferente do Jamil – então entra num sebo à caça de um disco do russo, quando três bandidos invadem a loja e dão voz de assalto. O final dessa história você descobre lendo esse livro aqui.




E quem quiser ouvir o álbum* mencionado no conto, procure por este:



Mstislav Leopoldovich Rostropovich
Nasceu a 27 de março de 1927 no Arzeibaijão – na época parte da União Soviética –, numa cidadezinha chamada Baku. Oriundo de uma família de músicos (seu pai era violoncelista, teve aulas com Pablo Casals; a mãe era pianista) Rostropovich começou a estudar piano aos 4 anos e violoncelo aos 10. Aos 16 entrou para o conservatório de Moscou, onde estudou composição com Prokofiev e Shostacovich.


Em 1945 ganhou um concurso na URSS para jovens músicos. Rostropovich seria aclamado então como uma das principais figuras da música em seu país e começaria a se apresentar pelo mundo todo. Entretanto, “Slava”, como era chamado pelo amigos, não compactuava com o autoritarismo do regime comunista e inclusive comprou briga com o Estado quando, em 1970, abrigou o escritor Aleksandr Solzhenitsyn (que era considerado subversivo) em sua fazenda e escreveu uma carta aberta aos jornais russos, defendendo-o.

Em 1973, deixaria a URSS, exilando-se nos Estados Unidos e depois na França. Com o fim do comunismo, voltaria mais frequentemente à Russia, e fez questão de realizar o tratamento contra o câncer que o acometia, em sua pátria, onde acabou falecendo no dia 27 de abril, aos 80 anos. Rostropovich é considerado um dos maiores violoncelistas do século XX.

Jamil Antônio Snege
Nascido a 10 de julho de 1939 em Curitiba, PR, era descendente de sírios e italianos. Sua relação com o mundo dos livros começou desde o berço, visto que seu pai, José Snege, era tipógrafo. Aos 16 anos Jamil já escrevia profissionalmente, atuando como colunista social, atividade que teve que ser interrompida com a sua ida para o Rio de Janeiro em 1959.


Depois de ser expulso do Núcleo de Preparação dos Oficiais da Reserva, o NPOR, em Curitiba, por ter provocado um incêndio em um campo de treinamento, foi obrigado a servir mais um ano de exército como soldado raso. Optaria então por servir no Rio de Janeiro, como pára-quedista.

De volta a Curitiba, depois de cumprido o seu compromisso com a mãe pátria, o "Turco" (assim os amigos o chamavam) voltaria para a imprensa, mas como redator-chefe da revista Planalto. Jamil passaria então por mais algumas revistas e jornais, até conseguir emprego como redator de publicidade. Formou-se em Sociologia em 1968, mas continuou trabalhando com publicidade até o fim da vida, tendo adquirido a sua própria agência, a Beta, em 1983.

Ao mesmo tempo, sempre esteve envolvido com a literatura. Publicou seu primeiro livro individual em 1968, a novela Tempo Sujo, e escreveria mais outros dez livros, que contemplaram diversos gêneros: conto, poesia, memórias e teatro. Faleceu no dia 16 de maio de 2003, aos 63 anos, vitimado por um câncer de pulmão. Jamil Snege é uma grande figura da literatura e da publicidade brasileira que merece ser sempre lembrada.

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