8 de jun. de 2007

Cinema
Cúmplices até o fim
Confira as resenhas dos filmes Uma Juventude Como Nenhuma Outra e Princesas, duas produções atuais que abordam a amizade feminina em situações adversas


Smadar (esq.) é a dionisíaca, Mirit (dir.) a socrática.
No final do mês de maio, tive uma bela surpresa no Teatro do HSBC. Assisti ao filme israelense (pouco divulgado e agora fora de cartaz) Uma Juventude Como Nenhuma Outra (Karov la bayit / Close to Home, 2006), das diretoras e roteiristas Vidi Bilu e Dalia Hager.
Esta película trata de duas jovens de personalidades bastante distintas, que estão a cumprir serviço militar. Em Israel, vale lembrar, isso é obrigatório também para as mulheres.
Mirit (Neama Shendar) é uma garota tímida, certinha, disciplinada, enquanto Smadar (Smadar Sayar) é o seu oposto, rebelde e extrovertida. O conflito entre elas logo surge quando as duas são obrigadas a patrulhar a cidade juntas.
A tarefa então é pedir a carteira de identidade de todos aqueles que elas considerarem suspeitos, isto é, árabes, e anotar esses documentos. Porém vocês devem imaginar como essa simples empreitada é coisa perigosíssima em Jerusalém.
Afinal, a reação das pessoas abordadas é imprevisível, além de que ataques terroristas podem ocorrer a qualquer instante. E o outro porém disso tudo está no fato de que Mirit é a única de todas as meninas que procura fazer o seu trabalho corretamente.
As outras, como Smadar, não estão nem aí para fiscalizações e relatórios. Vão ao cabeleireiro, freqüentam lojas, fumam e lancham durante o expediente, o que é expressamente proibido.
Entretanto, a duras penas, Smadar consegue fazer com que Mirit torne-se menos rigorosa consigo mesma. Ainda mais quando as duas colegas flagram a chefe delas, suposto modelo de moralidade, escondida num beco, aos beijos com um sujeito, em pleno horário de serviço.
Mirit percebe assim que não precisa continuar sendo tão diligente, além de que todo o seu apego às regras só lhe trazem o desprezo das colegas. A partir daí, começa a nascer uma cumplicidade entre Samadar e Mirit, afinal, gostando-se ou não, tinham que agüentar a pressão das chefes, colocavam suas vidas em risco diariamente e, enfim, estavam no mesmo barco.
Chega o momento em que, com toda essa convivência, elas finalmente percebem que se tornaram amigas e realmente se importam uma com a outra.
Seria uma mensagem endereçada a israelenses, palestinos, enfim, a todas as nações, etnias e religiões conflitantes, de como é importante e possível aceitarmos o outro, com todas as suas diferenças? Eis uma possível interpretação.
Agora é verdade também que, se não fosse pelo fantasma dos conflitos em Israel, do terrorismo, Uma Juventude Como Nenhuma Outra seria mais um filme sobre adolescentes e inclusive voltado para esse público.
Isso porque apesar do filme começar e terminar tenso, no meio ele se mostra bem mais ameno do que podíamos esperar, inclusive descambando para comédia ligeira, por exemplo quando as chefes de Mirit flagram-na dançando no hotel, quando ela devia estar trabalhando.
Contudo, é inegável que o filme não é assim tão raso, e tem o mérito de prender a nossa atenção até o fim, principalmente pelas atuações carismáticas de Neama Shendar e Smadar Sayar.
Mulheres em guerra
O que a espanhola Calle (esq.) mais queria era ter os seios da imigrante Zulema (dir.)
O que é mais perigoso: ser militar num país beligerante ou ser uma prostituta de rua? O que é mais arriscado: estar à mercê de bombas e foguetes ou à mercê de doenças e maus tratos?
Se em Uma Juventude Como Nenhuma Outra o pano de fundo são os conflitos em Israel, em Princesas (2005), que esteve em cartaz até o último dia 6 no Unibanco Arteplex, a questão é a prostituição na Espanha, mais especificamente em Madri.
Tal como no filme israelense, Princesas possui duas mulheres como protagonistas, duas moças, a princípio rivais, mas que logo se transformam em amigas.Calle (Candela Peña) é espanhola, vem de uma família de classe média, mas por algum motivo escolheu se prostituir para ganhar a vida.
Do outro lado temos Zulema (Micaela Nevárez), imigrante ilegal vinda da República Dominicana, e que encontra na prostituição uma forma de ajudar a família e o filho que permaneceram em seu país de origem.
As duas são vizinhas de prédio mas só se conhecem de fato no dia em que Calle está prestes a armar uma confusão com Zulema, pois a música vinda do apartamento desta está no último volume.
Entretanto, ao chegar lá, Calle encontra a vizinha caída no chão, toda machucada. Ela fora espancada mais uma vez por um cliente, o qual, em troca dessa sua submissão, promete-lhe conseguir documentos que irão regularizar a sua estadia na Espanha.
Calle então leva Zulema para o hospital, passa a entender um pouco da situação da vizinha, e a partir daí acabam surgindo laços de amizade.
As duas de certa forma se completam. Calle é uma pessoa mais romântica, meio metida a filósofa, porém não deixa que ninguém a engane em sua profissão e insiste para que Zulema faça o mesmo.
Já Zulema, com todos os fardos que consegue suportar, é um exemplo de força para Calle, que também admira a beleza exótica da amiga estrangeira e deseja se parecer com ela.
Comparando as duas produções, Princesas acaba apresentando uma quantidade um tanto maior de aspectos e personagens trágicos do que Uma Juventude Como Nenhuma Outra, porém ainda sim o filme espanhol não se torna um drama dos mais pesados.
Mesmo em situações tristes – como quando Zulema descobre que está com HIV, por exemplo – não há exageros para sensibilizar ainda mais o púbico, visando lágrimas e suspiros.
Outro mérito do diretor Fernando León de Aranoa (que também dirigiu Segunda-feira ao Sol) é conseguir encaixar nessa trama um bom número de cenas cômicas, algumas delas de saboroso humor negro.

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