22 de ago. de 2007

+ Leituras
Jornalismo transcendental

De tempos em tempos descubro algum jornalista cujos textos realmente me cativam tanto quanto os de um grande escritor. Primeiro foi o João do Rio. Depois o Tom Wolfe. E agora o Kurt Tucholsky.

Ando lendo este livro dele ultimamente: Hoje Entre Ontem e Amanhã (Livraria Almedina, Coimbra, 1978), que é uma coletânea de vários textos. Um que gostei bastante foi esta crônica escrita em 1926, intitulada "Saudação para o futuro". Seguem alguns trechos:

Caro leitor de 1985:
Por um acaso qualquer andaste a vasculhar na biblioteca, deste com a Mona Lisa [Tucholsky se refere ao seu livro O Sorriso de Mona Lisa, de 1928, no qual esta crônica foi republicada], ficaste estupefacto e aí estás a lê-la. Bom dia!

Estou muito confuso: o teu fato é completamente diferente do meu tempo; diverso é também o modo como usas a massa cinzenta... Já tentei começar três vezes, de cada vez com um tema novo: temos mesmo de arranjar um ponto de contacto... (...)

Tudo na minha pessoa te parece antiquado: a minha maneira de escrever, a minha gramática, as minhas atitudes... Ah! Não me dês pancadinhas nas costas, que eu não gosto disso. É em vão que tento dizer-te como nos corria a vida, o que aconteceu no nosso tempo... mas... nada. Sorris, a minha voz ressoa do passado, impotente, e tu já sabes tudo.

Queres que te fale do que impressionava a gente da aldeola do meu tempo? De Genebra? De uma estreia de Shaw? De Thomas Mann? Da televisão? De uma ilha de aço no meio do oceano para base de aviões? (...)

Queres que te lisonjeie? Não consigo. É evidente que vocês não resolveram a questão: "Sociedade das Nações ou Paneuropa?"; é que as questões não são resolvidas pela humanidade, vão ficando por resolver.

Claro que vocês têm todos os dias ao vosso dispor mais trezentas máquinas inúteis que nós, mas de resto são tão estúpidos ou tão espertos como nós, iguaizinhos. (...)



Kaspar Hauser, Peter Panter, Theobald Tiger e Ignaz Wrobel foram alguns dos pseudônimos de Kurt Tucholsky, este grande jornalista, escritor e satirista alemão. Nascido a 9 de janeiro, em Berlim, mudou-se para a França em 1924 e depois para a Suécia em 1930. Em seu exílio nesse último país (Tucholsky teve sua cidadania alemã cassada em 1933 pelos nazistas), entra em uma grave crise existencial e morre depois de ter ingerido veneno, em 1º de dezembro de 1935.

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