25 de set. de 2007

Entrevista César Almeida/ Parte 3: Influências



Suas peças são combativas, seus personagens estão sempre discutindo coisas. Você entra em cena e lê manifestos. No seu teatro o debate é mais importante do que mostrar uma história?
Eu acho que isso tudo deve vir junto. É a esses propósitos que eu sempre bato de frente com os artistas que fazem uma arte descompromissada com qualquer causa. Eu sou um ativista dessa maneira por que possuo uma causa que conheço, que me diz respeito. Eu não consigo conceber uma arte inconseqüente, uma arte que não tente pensar o seu tempo, que não se preocupe em colaborar para o teu processo histórico. Não consigo compreender uma arte que fica só explorando o seu próprio ego.

Você faz teatro de protesto?
Sim, eu acho que é um teatro de protesto.

E em Curitiba, quem, como você, também defende alguma causa no teatro?
Ninguém. Inclusive ao participar de debates com diretores daqui eu já ouvi esse tipo de comentário, que eles preferem não ter causa mesmo e preferem que o trabalho deles não tenha uma assinatura.

Arte pela arte...
Eu não sei, é uma arte pelo quê? Eu acho que não é nem pela arte, é uma arte pelo seu ego, pela sua falta do que fazer na vida. Vá fazer outra coisa! Faça alguma coisa que você realmente ame. Acho um desperdício de tempo fazer algo sem paixão, movido pela paixão.

E quem faz teatro de protesto no Brasil?
No Brasil, eu vejo a Denise Stocklos, que eu acho que faz um teatro político, de protesto, muito violento, e que eu gosto muito.

Mesmo quando você a chama de Denise Stopa em Hamletrash?
Mas aquilo ali era pura brincadeira, porque eu amo aquela mulher (risos). Eu a persegui vários anos. Nunca consegui contato nenhum, mas é o meu sonho fazer alguma coisa com ela. Eu vejo muito o trabalho dela como inspiração, é um estimulante pra mim.

E das figuras históricas de Curitiba: Oraci Gemba, José Maria Santos, Cleon Jaques, entre outros, quem te influenciou?
Olha, é tão difícil. Eu não posso te dizer que eu tive alguma influência. Uma pessoa que eu posso mencionar que eu gostava muito, mas foi muito rápida a passagem dele, foi o Raul Cruz [artista plástico, cenógrafo, dramaturgo e diretor, falecido em 1993]. Eu sentia algo maior na arte dele.

Eu não o conheci. Como era o trabalho dele?
Era um trabalho muito autobiográfico, um trabalho que falava muito da própria dor dele, do momento dele, da necessidade que ele tinha de externar aquilo em forma de arte. Ele sempre foi muito a fundo em tudo o que fez. E nós tínhamos assim uma afinidade de linguagem.

"Eu não consigo ver as pessoas fazendo um teatro realmente verdadeiro aqui em Curitiba. Elas sempre estão trabalhando de uma maneira a serem coniventes com uma política cultural. A única preocupação delas é não provocar. É toda a antítese do que eu gosto no meu trabalho. As pessoas não se comprometem, não se identificam, não expõem o que se sentem."

Vocês chegaram a fazer algum espetáculo juntos?
Eu cheguei a ensaiar um espetáculo [chamado A Ponte], que foi o penúltimo espetáculo dele, mas daí não consegui ficar... O clima era muito pesado. Era o momento que ele estava morrendo de AIDS e aquele espetáculo queria na verdade dizer isso metaforicamente, que ele estava se preparando simplesmente para a morte.

E daí no momento não era uma coisa que eu estivesse predisposto a fazer. Então resolvi deixar o trabalho porque não estava querendo me contaminar com aquele clima. Era muito triste para mim ver aquilo e não poder fazer nada. Era uma sensação muito grande de impotência, da parte dele também, e isso era uma coisa que me entristecia demais. Era meio que um adeus dele.

Depois acho que ele fez ainda mais uma peça [A Outra] no Guaíra, pelo TCP, que deram pra ele fazer. Mas ele já estava extremamente mal. Foi uma coisa meio de encomenda, não considero um trabalho de peso dele. Mas foi uma pessoa que me influenciou muito.

Agora, eu não consigo ver as pessoas fazendo um teatro realmente verdadeiro aqui em Curitiba. Elas sempre estão trabalhando de uma maneira a serem coniventes com uma política cultural. A única preocupação delas é não provocar. É toda a antítese do que eu gosto no meu trabalho. As pessoas não se comprometem, não se identificam, não expõem o que se sentem. Eu não consigo entender a arte como uma não exposição, eu acho que o artista tem que ser pleno na exposição, ele tem que arcar com o preço da sua exposição. Agora, se você vai ficar fazendo uma arte que não corresponde ao que você é, por que escolher ser artista? Eu acho que existem outras profissões que vão incomodar menos.

Das companhias curitibanas atuais não tem nenhuma que você acompanhe?
Olha, eu gosto muito do trabalho do Felipe Hirsch, que já não está mais em Curitiba, mas era a pessoa que eu mais gostava. De resto, não consigo ver ninguém fazendo alguma coisa... As pessoas ficam brincando de fazer teatro aqui. Ficam se enganado que são artistas. O meu conceito de ser artista não condiz com isso. Acho muito pouco, a entrega é muito pouca.

E no Brasil?
Acho que existem pessoas que tem um trabalho esporadicamente bom, algumas criaturas que às vezes tem um brilho. Eu não conheço o trabalho do Antônio Araújo [diretor do Teatro da Vertigem, em São Paulo], nunca consegui ver o trabalho dele, que me dizem que é muito bom, e que tem alguma coisa a mais a dizer. Eu acho que a única pessoa que me dá prazer de ver o trabalho ainda é a Denise Stocklos.

E o Gerald Thomas? Você chegou a trabalhar com ele, não?
Uma época ele vinha pra Curitiba montar uns espetáculos especialmente para o festival. E daí numa dessas ele abriu um teste e acabei fazendo dois trabalhos [Nowhere Man e Os Reis do Iê Iê Iê] com ele, fiz algumas viagem... Foi bem bacana. Gosto muito do trabalho dele, acho muito interessante. Ele é muito hermético, ao mesmo tempo em que ele consegue ser muito autoral. É uma coisa que me agrada muito.

Só que ele é tão cheio de referências, que essas referências acabam deixando ele uma pessoa insuportavelmente arrogante. As pessoas não têm capacidade pra fazer uma leitura mais profunda da obra dele porque é preciso ter uma bagagem cultural muito grande pra você poder curtir. Senão aquilo acaba passando batido.

Talvez ele seja a criatura mais globalizada do teatro brasileiro. Ele tem referência de muita coisa que está acontecendo no planeta, tem vivência disso, e isso acaba sendo transposto para o trabalho dele. Mas as pessoas não tem obrigatoriedade de serem geniais como ele para poderem partilhar da obra de arte. É uma criatura muito doida, um artista muito preocupado com a sua obra, preocupado em fazer algo realmente contemporâneo. E consegue, e faz uma obra polêmica, instigante. Mas essa questão do referencial dele é muito forte e as pessoas nunca vão conseguir entender o trabalho dele da maneira como ele gostaria. Ele também não está nem aí, continua fazendo a obra dele. É um cidadão do mundo.

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