18 de jun. de 2008

Resenha)))
Sem medo do pastelão
Em Fragments, Peter Brook surpreende o público valorizando acima de tudo a veia cômica de Samuel Beckett

Act without words II, com Marcello Magni (carregando os sacos) e Khalifa Natour (dentro de um deles)
.

O FILO mal começou no dia 4 de junho e no mesmo dia os ingressos da peça Fragments simplesmente evaporaram. Natural para um espetáculo que é dirigido por ninguém menos do que uma lenda viva do teatro mundial, o inglês Peter Brook.

Felizmente, uma sessão extra dessa montagem construída a partir de textos curtos de Samuel Beckett foi organizada no dia 17 e foi a essa sessão que este resenhista compareceu.

Em um palco quase nu, sem cortinas e com pouquíssimos objetos cênicos, a peça começa com o texto de Rough for Theatre. Dos bastidores, com o palco iluminado, surgem os atores Marcello Magni e Khalifa Natour, que irão interpretar um aleijado e um cego, respectivamente, que se encontram numa esquina fria e cinzenta.


De início, a atuação dos atores é um pouco morna, sem muito impacto, mas aos poucos o público vai sendo envolvido à medida que os personagens revelam os seus dramas – a ponto de o aleijado perguntar ao cego por que ele não se deixa morrer, diante de uma vida tão miserável. Ao que este responde, roubando risos da platéia: “não sou infeliz o suficiente”.


A certa altura, os dois pobres diabos decidem se unir, juntando seus débeis corpos, de modo que um possa suprir a deficiência do outro. Um emprestaria a visão, o outro a locomoção. Mas é claro que a tentativa fracassa e os dois acabam travando uma briga patética. Tudo é cômico e triste ao mesmo tempo. Como a condição humana.

Após isso, o espetáculo adquire um clima bem mais sério e introspectivo quando passa para o fragmento Rockaby, monólogo apresentado pela atriz Hayley Vilatte. Em Rockaby a atriz narra a história de uma mulher solitária, que fica a olhar as janelas a sua frente, na esperança de que pelo menos uma delas se abra e alguém apareça. Hayley demonstra bastante concentração, transmite uma angústia impressionante da personagem, porém parte do público parecia deveras enfadado (o mesmo aconteceria mais tarde, quando Hayley interpretou o conto Neither) com o hermetismo do texto. Sem dúvida, a atriz foi responsável pelos momentos mais sérios da noite, mostrando o que Beckett tem de mais triste e amargo.

De Rockaby, o espetáculo passa para Act without words II, em que Marcello e Khalifa entram em cena novamente, para delírio do público - que ao final de Rough for Theatre já estava nas mãos deles.

Não houve quem não tenha se identificado com os tipos que eles interpretaram, os quais todo santo dia acordam, fazem suas abluções, comem, trabalham, voltam pra casa, rezam e dormem, enfim, tudo sempre igual, ad aeternum. A diferença é que o personagem de Khalifa parece feliz com essa vida metódica, regulada, e o de Marcello não.

Na sequência, o espetáculo retorna para um tom mais introspectivo na interpretação do já citado conto Neither, e termina com um trecho da peça Come and Go. O humor então volta a invadir a sala do Teatro Filo quando Hayley, Marcello e Khalifa se transformam nas três amigas (neste trecho pinçado por Brook elas já são três velhas caquéticas) inseparáveis e mexeriqueiras. O público ri à beça – principalmente por ver Marcello e Khalifa vestidos de mulher – e, no fim, retribui as muitas risadas com aplausos na mesma proporção.

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