31 de mar. de 2008

Festival de Curitiba)))
Artistas protestam contra a censura no Festival
No sábado (29), integrantes do grupo Heliogábalus realizaram uma manifestação em frente ao Memorial de Curitiba

Cena final da peça Scarroll (foto) foi censurada pela organização do Festiva de Curitiba.

19h30 de sábado (29), penúltimo dia do festival de teatro. Uma aglomeração se formou em frente ao Memorial de Curitiba. Trajando um capote listrado como uma zebra, acompanhado de cueca samba-canção e coturnos, o ator curitibano Ricardo Nolasco bradava aos quatro cantos do Largo da Ordem - amplificado por um barulhento megafone - o seu manifesto “Ninguém terá um fim mais heróico do que eu” (leia o na íntegra, abaixo).

Ricardo também se posicionava contra o ato de um suposto policial que apontou uma arma para os atores da peça O Abajur Lilás no dia 23, e protestava contra a censura que o grupo Heliogábalus, do qual faz parte, sofreu com a peça Scarroll.

Segundo Ricardo, a organização do Festival de Curitiba não deixou que a última cena da peça fosse encenada. Nela, entre outras coisas, Ricardo deveria sair da Casa Vermelha, onde a montagem acontecia, e ganhar a rua, vestindo um avental de cozinha e nada mais.

No protesto feito nessa gelada noite de sábado, Ricardo aproveitou igualmente para reclamar que a produção do festival não quis deixar o seu grupo utilizar a estrutura da Casa Vermelha como um todo. “Queriam que usássemos apenas um dos salões e que o espaço fosse usado como um palco frontal, como as outras companhias estavam fazendo. Só que não foi essa a proposta que a gente encaminhou e que o festival tinha aprovado”, disse Ricardo.

Queimando dinheiro
Durante o protesto, Ricardo pedia às pessoas “uma contribuição em nome de Jesus”, tal como um pastor de igreja. E para a surpresa de todos, depois que uma atriz passou pedindo dinheiro, surgiu um jovem de terno, que tirou R$ 60 do chapéu da atriz e pôs fogo nas notas. Com elas, acendeu um cigarro.

“Senhor Jesus Cristo! Eles queimaram dinheiro!”, espantou-se um rapaz cabeludo, que acompanhava a manifestação. Muitos se perguntaram se as “araras vermelhas” eram mesmo de verdade. Eram, como se mostrou depois. Porém, ao contrário de como ficou parecendo, as cédulas queimadas não vieram das contribuições (que talvez não tenham chegado a cinco reais), mas sim do jovem abonado que as incendiou. “Foi um ato simbólico para mostrar que participar do festival é queimar dinheiro”, explicou o incendiário, amigo do grupo Heliogábalus.

“Temos que pagar, como aluguel do espaço, R$ 60 reais por dia de apresentação, sendo que o festival e os impostos ainda ficam com 30% da nossa bilheteria”, disse Ricardo. Ele argumenta que, com as despesas que arcaram, o festival deveria ter oferecido uma estrutura melhor.

My heart will go on
Para encerrar a manifestação, Ricardo e mais uma atriz – que também estava sem calças – deram uma volta pelo Largo da Ordem ao som de uma versão eletrônica de “My heart will go on”, saída diretamente do megafone.

“Posso te falar uma coisa?”, ainda diria um velhinho para Ricardo, quando tudo terminou. “Você é chato pra caralho!”. O ator deu de ombros.

*

Leia o manifesto “Ninguém terá um fim mais heróico do que eu”, de Ricardo Nolasco.

“Não há dramaturgia somente de palavras. Não acreditamos nas palavras. E este é o nosso velho discurso. O nosso velho modismo de sempre. Já repetido um milhão de vezes. Talvez apenas algumas vezes a menos do que são repetidos os grandes textos. Os textos dos grandes autores. A verborragia do verdadeiro teatro. Os textos que realmente dão trabalho para serem feitos.

Pouco importa se desde Artaud já se grita contra a unilateralidade da palavra falada, e únicamente falada. Afinal, o teatro é e segue sendo a arte da palavra falada: e jamais da palavra realizada. Incompetência mesmo.

Por milênios já se fez este teatro que todos querem. É preciso informar mas há algum tempo já se clama por um outro. Por uma nova possibilidade. Estamos falando do mito. E só dele. E só nos interessamos por ele. O mito que desgasta, que tenta a todo custo se enquadrar, permanecer.

Porém os imortais já acabaram. Já padecem em seu paraíso. Será que alguém se importa com o que veio depois do Expressionismo? Falta você ser amado. Falta ser excitado. Faça voltar a escorrer algo desta tua boceta seca. Deste teu pau envilecido, envelhecido. O mais heróico dos homens é aquele que percebe que o tempo passou. Apenas deita em sua cova e sabe que é hora de morrer.”

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