28 de ago. de 2008

Teatro)))
Thomas Bernhard com espírito curitibano
Na peça Árvores Abatidas, dirigida por Marcos Damaceno, a Viena do escritor Thomas Bernhard parece tal e qual Curitiba


Rosana Stavis encarna o narrador de Árvores Abatidas.

Embora nascido na Holanda e radicado na Áustria, o escritor Thomas Bernhard (1931 – 1989) parecia um curitibano. É o que pudemos constatar em Árvores Abatidas, romance de Bernhard que foi adaptado pela primeira vez para o teatro pelo diretor Marcos Damaceno. A montagem ficou em cartaz durante o mês de julho e início de agosto no galpão que Damaceno utiliza como teatro nos fundos de sua casa, na rua 13 de maio.

“Os vienenses não podem ver uma pessoa boa, importante, e um dia derrubam-na como a um monumento que não lembram que eles próprios ergueram ali.” O que dizer de uma frase como essa, presente em Árvores Abatidas?

Impossível não comparar a autofagia vienense, que é escancarada nessa obra, com a conhecida autofagia curitibana, já descrita por Jamil Snege na crônica Como tornar-se invisível em Curitiba. “Cada vez que alguém, lá fora, reconhecer com isenção de ânimo que você está produzindo obra ou feito significativo – o seu grau de invisibilidade aumenta em Curitiba”, escreveu ele.

Além de tratar do ambíguo sentimento de amor e ódio por uma cidade que esmaga seus talentos como um moinho, Árvores Abatidas expõe também uma série de críticas ao teatro vienense, o que impressionantemente serviu direitinho para o teatro daqui.

Público, atores, diretores, dramaturgos e críticos, todos os elos da cadeia teatral são detonados em Árvores Abatidas, aspecto da obra que foi especialmente destacado na montagem de Marcos Damaceno, inclusive com a citação de nomes de artistas conhecidos, como o diretor e dramaturgo Felipe Hirsch e a diretora e produtora Nena Inoue.

O enredo
No romance publicado em 1984, um escritor cinquentão – muito parecido com o próprio Thomas Bernhard – narra a experiência de ter ido a um jantar repleto de artistas na casa de um antigo casal de amigos, os Auersberger, que, naquele momento, ele não mais suporta.

O jantar, que conta com a presença de um ator veterano do Burgtheater (teatro nacional austríaco), torna-se um martírio para o escritor, ainda mais que, no mesmo dia, pela manhã, acontecera o enterro de sua amiga Joana, também íntima dos Auersberger e de outros convidados.

A adaptação
Narrada em primeira pessoa no livro, essa história ganhou na peça a forma de um monólogo interpretado pela atriz Rosana Stavis, que fez um papel análogo ao do personagem escritor.

Porém, em suas reflexões sobre seus ex-amigos, sobre si e sobre a cidade, o discurso do protagonista no romance de Bernhard é muito mais dispersivo e menos humorístico do que foi apresentado em cena.

Na sua interpretação, em boa parte do tempo, Rosana Stavis levou Árvores Abatidas para uma comédia escrachada, em que as repetições típicas do estilo de Bernhard foram convertidas em recursos cômicos (não muito risíveis para mim).

As insistentes referências feitas ao “ator que até faz telenovela” (“o ator do Burgtheater”, no original), por exemplo, viraram um bordão, realçado com um “plim, plim” saído do violino de Roger Vaz, músico responsável pela trilha sonora ao vivo.

Diante dessa atuação frenética de Rosana Stavis, tão logo a peça começou, confesso que tentei imaginar como ficaria a montagem com uma interpretação mais contida da atriz. O que felizmente vi concretizado nos momentos em que a personagem dela se recordava de Joana, a amiga falecida, e quando ela relembrava de algumas árias que costumava cantar com os Auersberger.

“Como é bonito ficar sentimental de vez em quando”, diz o narrador a certa altura no livro. Pois foi assim, bonito e sentimental, também o final da peça, com a personagem de Rosana declarando o seu amor à cidade e às pessoas que ela tanto dizia que odiava, para então deixar a casa dos Auersberger (o teatro em que estávamos) e ganhar as ruas.


*Publicado também no portal Digestivo Cultural

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