6 de mar. de 2008

O indivíduo no caos da metrópole
Berlim Alexanderplatz apresenta os descaminhos de um ex-presidiário que luta para sobreviver na selva da cidade


Cena de Berlim Alexanderplatz na versão de Fassbinder.

Felizmente, temos a principal e mais conhecida obra de Alfred Döblin traduzida para o português – na versão de Lya Luft, para a Editora Rocco, e na de Sara e Teresa Seruya para as Publicações Dom Quixote.

Publicado em 1929, em plena República de Weimar, o romance Berlim Alexanderplatz apresenta a saga do ex-presidiário Franz Biberkopf, que depois de solto procura reconstruir sua vida e andar nos eixos.

Nessa história, o autor conseguiu reproduzir com perfeição a atmosfera caótica de uma grande metrópole. Franz está sempre em meio a uma multidão de outros personagens tão humildes e amaldiçoados quanto ele, e um narrador onisciente (sempre irônico!) faz questão de incorporar ao seu discurso – que mescla tanto o alemão padrão como o dialeto berlinense – uma avalanche de informações esdrúxulas, oriundas das mais diversas fontes, como jornais, anúncios ou textos científicos.

Para se ter uma idéia, na passagem que descreve como Franz matou sua ex-mulher com uma batedeira, o narrador chega a invocar a lei de Newton de ação e reação para explicar tal fato. Por tudo isso, o livro foi comparado em ousadia ao Ulysses (1922) de James Joyce.

Adaptações
Grande fã de Berlim Alexanderplatz, o diretor alemão Reiner Werner Fassbinder fez uma adaptação do romance para a TV, em 1980, com 15 horas de duração. Antes disso, o livro já tinha sido adaptado para o cinema com um roteiro do próprio Alfred Döblin e dirigido por Phil Jutzi em 1931 – entretanto com duração (o filme tem uma hora e meia) e resultado bem mais modestos.

Em 2005, foi a vez do livro virar peça de teatro. Frank Castorf, diretor da companhia alemã Volksbühne, encenou a obra na Schlossplatz, praça que fica ao lado da Alexanderplatz, em Berlim.


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Trecho do posfácio de Alfred Döblin para uma reedição de Berlim Alexanderplatz em 1955. (Tradução de Sara Seruya e Teresa Seruya)



(...) Pensava ele [Franz Biberkopf], acabado de sair da cela, que era possível iniciar uma vida novinha em folha, fresca, foliona, livre. Mas lá fora nada tinha mudado, e ele próprio continuava o mesmo.

Como havia de sair dali um novo resultado? Manifestamente, só na medida em que um dos dois fosse destruído, ou Berlim ou Franz Biberkopf. E como Berlim se manteve como era, coube a Franz modificar-se.

Portanto, o tema mais fundo reza: o sacrifício é o caminho, oferecer-se a própria pessoa em sacrifício. E bem cedo brotam no livro, também para quem sabe ler, os temas do sacrifício: o bíblico Abraão está para sacrificar o filho único ao Deus supremo, somos conduzidos ao matadouro no Leste da cidade para assistir à morte de animais.

Franz Biberkopf queria o bem, mas o que era isso mais do que uma palavra? Faço-o passar pela ala dos açoites, as desgraças sucedem-se: Biberkopf à caça do Bem, uma caça de olhos fechados, tendo um cavalo desenfreado por baixo, quando é que os dois, cavalo e cavaleiro, irão partir o pescoço? No fim parecem ter partido o pescoço.

Mas quando Franz vai parar ao manicômio, alguma coisa, apesar de tudo, mudou nele. O sacrifício consumou-se sem o mínimo ruído. Como consta do final, ei-lo porteiro duma fábrica, vivo mas escangalhado, a vida apoderou-se violentamente dele.

Este livro, cuja publicação em folhetim foi recusada pelos dois mais importantes jornais liberais de Berlim, veio a sair em folhetim no velho Frankfurter Zeitung, causando já na altura grande sensação.

Depois de publicado, Berlim Alexanderplatz revelou-se best-seller, seguindo-se-lhe edições atrás de edições e traduções mais ou menos boas. E quando se falava no meu nome, acrescentava-lhe Berlim Alexanderplatz. Mas o meu caminho estava longe do seu termo.

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