19 de jun. de 2007

+ Cinema
Nada de guilhotina
Em Maria Antonieta, a diretora Sofia Coppola prefere destacar o ócio e os pequenos sobressaltos da rainha francesa em tempos de paz


O filme é baseado na biografia Marie Antoinette: The Journey, da escritora inglesa Antonia Fraser.

Semana passada, depois de recomendar ao povo, com a maior desfaçatez do mundo, que “relaxe e goze” diante do caos nos aeroportos, muitos compararam a ministra do Turismo Marta Suplicy à rainha Maria Antonieta que, numa França em estado de penúria, teria dito uma das frases mais cínicas da história. A célebre: “Se não há pão, que comam brioches”.

Mas a idéia aqui não é tratar do descaramento dos governantes do passado e do presente, e sim aproveitar a ocasião para analisar o filme Maria Antonieta (Marie Antoinette, 2006), ainda em cartaz em Curitiba.

Ao que parece, a intenção da diretora Sofia Coppola (de Encontros e Desencontros) é nos fazer entender e até apreciar o comportamento fútil da rainha francesa, interpretada pela bela Kirsten Dunst.

No enfoque dado por Coppola, Antonieta pode ser encarada como apenas mais uma jovem rica e alienada como tantas outras dos dias de hoje. Paris Hilton deve ter gostado da película.


Dolce far niente
Vemos na tela uma tentativa de retratar, como diria o escritor alemão Georg Büchner, o “longo domingo que é vida dos nobres”.


Mas além da boa vida, Coppola até expõe muitas das chateações que Antonieta tinha de suportar, como bajulações mil e maledicências palacianas, ausência de privacidade, um Luís XVI em falta com suas obrigações maritais e a pressão vinda de todos os lados para que ela gerasse um herdeiro.

O problema é tudo isso ser colocado de forma tão insossa, que pouco nos comove, inquieta ou faz rir. O filme segue lento e monocórdio, e a vontade, claro, logo é a de se ir embora do cinema.

Porém então se pensa: aguenta mais um pouco, cabeças ainda vão rolar, não? De que maneira a diretora mostrará a aristocracia sendo perseguida, o aprisionamento, o julgamento do rei e da rainha? É aí que Maria Antonieta enfrenta situações realmente difíceis, é aí que a personagem deverá crescer...

Mas não. Sofia Coppola opta pela lei do menor esforço e encerra o filme abruptamente após a invasão do palácio de Versalhes pela população em fúria.

Eis o pífio resultado de uma diretora que se preocupou muito mais com figurinos faustosos, em se mostrar moderninha (colocando tênis All Star e rock and roll em filme de época), do que em elaborar um roteiro melhor e exigir mais de seus atores.

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12 de jun. de 2007

+ Cinema

Drama açucarado
Personagens e conteúdos pouco aprofundados enfraquecem Não Por Acaso, primeiro longa-metragem de Phillippe Barcinski


Rodrigo Santoro compensa as lacunas do roteiro com uma boa atuação.

Com o seu primeiro longa-metragem Não por Acaso (em cartaz em diversos cinemas da cidade), o diretor Phillippe Barcisnki quis fazer um filme elaborado, inteligente e ao mesmo tempo popular.

Pelo menos assim foi divulgado em matérias e entrevistas por aí. E lembro de ter ouvido também que o roteiro desta película demorou cerca de 5 anos para ser acertado.

Pois é, o resultado desse empenho todo e dessa proposta meio pop, meio cabeça, infelizmente ficou aquém do esperado. Culpa do malfadado roteiro e de uma falta de ousadia do diretor.

A princípio, a temática do filme e seus personagens principais são interessantes. Através de duas histórias paralelas, a de um construtor de mesas de bilhar e a de um engenheiro de trânsito, questiona-se a possibilidade ou não de controlarmos os nossos destinos.

Entretanto, na prática, faltou desenvolver melhor uma porção de coisas.


Desenvolvimento de temas e personagens
Vejamos o caso do personagem de Leonardo Medeiros, que faz o papel de Ênio, o controlador de sinais de trânsito. É um sujeito quarentão, que vive sozinho e possui uma filha (Rita Batata) a qual ele não assumiu.

Isso é praticamente tudo o que o filme nos fornece sobre ele. Não há maiores detalhes sobre como foi o seu relacionamento com a sua ex-mulher (Graziella Moretto) nem há explicações sobre os motivos dele não ter assumido a filha.

Quanto à suposta explicação criativa que ele dá sobre o fluxo do trânsito e a atração dos corpos – Ênio cita o princípio dos vasos comunicantes, fala de partículas atômicas etc. –, ela é apenas esboçada.

O chefe de Ênio inclusive pede a ele que apresente essa sua teoria na forma de um artigo que seria utilizado pela empresa deles. Mas Ênio não termina o texto e o assunto morre por aí.

Com relação à história de Pedro, o homem da sinuca interpretado por Rodrigo Santoro, o grau de (sub)desenvolvimento desse personagem é equivalente.

Sabemos que ele é um sujeito suburbano, com pouca escolaridade, e que assumiu o negócio das mesas de bilhar que era do seu pai. E só.

Tudo bem que através de pequenas atitudes, como quando ele se nega a abrir uma porta nova no seu estabelecimento ou quando ele se mostra avesso a participar de campeonatos de sinuca, por exemplo, Pedro demonstra que é um sujeito conservador, reservado e com uma certa dificuldade de interagir com o mundo.

Porém isso ainda é muito pouco, insuficiente, para conferir uma real densidade ao personagem.

Sobre a namorada de Pedro, a típica estudante de antropologia fã do Chico Buarque, vivida por Branca Messina, e a businesswoman feita por Letícia Sabatella, são mais duas figuras sumariamente desenvolvidas (inclua-se também nesse rol a filha adolescente de Ênio) e ainda por cima bastante estereotipadas.


O que segura as pontas
O filme se sustenta minimamente porque Leonardo Medeiros e Rodrigo Santoro, como protagonistas, trabalharam muito bem, conseguindo preencher com bastante dignidade as lacunas do roteiro.

Leonardo apresenta uma interpretação serena, taciturna e ao mesmo tempo cativante como o típico lobo da estepe.

Rodrigo Santoro, por sua vez, mantém o tempo todo uma feição amarfalhada, ombros para dentro... é praticamente um matuto. Lixa suas madeiras com afinco e no pano verde mantém a pinta de profissional.

Ao final de Não Por Acaso, portanto, há pouco a se festejar - como a direção de fotografia de Pedro Farkas, por exemplo. Ainda mais com o forçado happy end, moldado para trazer um alento completamente desnecessário ao espectador. Desaconselhável para diabéticos.

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8 de jun. de 2007

Cinema
Cúmplices até o fim
Confira as resenhas dos filmes Uma Juventude Como Nenhuma Outra e Princesas, duas produções atuais que abordam a amizade feminina em situações adversas


Smadar (esq.) é a dionisíaca, Mirit (dir.) a socrática.
No final do mês de maio, tive uma bela surpresa no Teatro do HSBC. Assisti ao filme israelense (pouco divulgado e agora fora de cartaz) Uma Juventude Como Nenhuma Outra (Karov la bayit / Close to Home, 2006), das diretoras e roteiristas Vidi Bilu e Dalia Hager.
Esta película trata de duas jovens de personalidades bastante distintas, que estão a cumprir serviço militar. Em Israel, vale lembrar, isso é obrigatório também para as mulheres.
Mirit (Neama Shendar) é uma garota tímida, certinha, disciplinada, enquanto Smadar (Smadar Sayar) é o seu oposto, rebelde e extrovertida. O conflito entre elas logo surge quando as duas são obrigadas a patrulhar a cidade juntas.
A tarefa então é pedir a carteira de identidade de todos aqueles que elas considerarem suspeitos, isto é, árabes, e anotar esses documentos. Porém vocês devem imaginar como essa simples empreitada é coisa perigosíssima em Jerusalém.
Afinal, a reação das pessoas abordadas é imprevisível, além de que ataques terroristas podem ocorrer a qualquer instante. E o outro porém disso tudo está no fato de que Mirit é a única de todas as meninas que procura fazer o seu trabalho corretamente.
As outras, como Smadar, não estão nem aí para fiscalizações e relatórios. Vão ao cabeleireiro, freqüentam lojas, fumam e lancham durante o expediente, o que é expressamente proibido.
Entretanto, a duras penas, Smadar consegue fazer com que Mirit torne-se menos rigorosa consigo mesma. Ainda mais quando as duas colegas flagram a chefe delas, suposto modelo de moralidade, escondida num beco, aos beijos com um sujeito, em pleno horário de serviço.
Mirit percebe assim que não precisa continuar sendo tão diligente, além de que todo o seu apego às regras só lhe trazem o desprezo das colegas. A partir daí, começa a nascer uma cumplicidade entre Samadar e Mirit, afinal, gostando-se ou não, tinham que agüentar a pressão das chefes, colocavam suas vidas em risco diariamente e, enfim, estavam no mesmo barco.
Chega o momento em que, com toda essa convivência, elas finalmente percebem que se tornaram amigas e realmente se importam uma com a outra.
Seria uma mensagem endereçada a israelenses, palestinos, enfim, a todas as nações, etnias e religiões conflitantes, de como é importante e possível aceitarmos o outro, com todas as suas diferenças? Eis uma possível interpretação.
Agora é verdade também que, se não fosse pelo fantasma dos conflitos em Israel, do terrorismo, Uma Juventude Como Nenhuma Outra seria mais um filme sobre adolescentes e inclusive voltado para esse público.
Isso porque apesar do filme começar e terminar tenso, no meio ele se mostra bem mais ameno do que podíamos esperar, inclusive descambando para comédia ligeira, por exemplo quando as chefes de Mirit flagram-na dançando no hotel, quando ela devia estar trabalhando.
Contudo, é inegável que o filme não é assim tão raso, e tem o mérito de prender a nossa atenção até o fim, principalmente pelas atuações carismáticas de Neama Shendar e Smadar Sayar.
Mulheres em guerra
O que a espanhola Calle (esq.) mais queria era ter os seios da imigrante Zulema (dir.)
O que é mais perigoso: ser militar num país beligerante ou ser uma prostituta de rua? O que é mais arriscado: estar à mercê de bombas e foguetes ou à mercê de doenças e maus tratos?
Se em Uma Juventude Como Nenhuma Outra o pano de fundo são os conflitos em Israel, em Princesas (2005), que esteve em cartaz até o último dia 6 no Unibanco Arteplex, a questão é a prostituição na Espanha, mais especificamente em Madri.
Tal como no filme israelense, Princesas possui duas mulheres como protagonistas, duas moças, a princípio rivais, mas que logo se transformam em amigas.Calle (Candela Peña) é espanhola, vem de uma família de classe média, mas por algum motivo escolheu se prostituir para ganhar a vida.
Do outro lado temos Zulema (Micaela Nevárez), imigrante ilegal vinda da República Dominicana, e que encontra na prostituição uma forma de ajudar a família e o filho que permaneceram em seu país de origem.
As duas são vizinhas de prédio mas só se conhecem de fato no dia em que Calle está prestes a armar uma confusão com Zulema, pois a música vinda do apartamento desta está no último volume.
Entretanto, ao chegar lá, Calle encontra a vizinha caída no chão, toda machucada. Ela fora espancada mais uma vez por um cliente, o qual, em troca dessa sua submissão, promete-lhe conseguir documentos que irão regularizar a sua estadia na Espanha.
Calle então leva Zulema para o hospital, passa a entender um pouco da situação da vizinha, e a partir daí acabam surgindo laços de amizade.
As duas de certa forma se completam. Calle é uma pessoa mais romântica, meio metida a filósofa, porém não deixa que ninguém a engane em sua profissão e insiste para que Zulema faça o mesmo.
Já Zulema, com todos os fardos que consegue suportar, é um exemplo de força para Calle, que também admira a beleza exótica da amiga estrangeira e deseja se parecer com ela.
Comparando as duas produções, Princesas acaba apresentando uma quantidade um tanto maior de aspectos e personagens trágicos do que Uma Juventude Como Nenhuma Outra, porém ainda sim o filme espanhol não se torna um drama dos mais pesados.
Mesmo em situações tristes – como quando Zulema descobre que está com HIV, por exemplo – não há exageros para sensibilizar ainda mais o púbico, visando lágrimas e suspiros.
Outro mérito do diretor Fernando León de Aranoa (que também dirigiu Segunda-feira ao Sol) é conseguir encaixar nessa trama um bom número de cenas cômicas, algumas delas de saboroso humor negro.

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