31 de ago. de 2007

+ Cinema
A maldição de ser mulher
Baixio das Bestas retrata a violência que as mulheres nordestinas são submetidas e que algumas inclusive ajudam a perpetuar

O personagem Heitor explora a própria neta (na verdade sua filha).

Depois de ter realizado um bom filme como Amarelo Manga (2003), muito se esperava do diretor pernambucano Cláudio Assis. Seu segundo longa-metragem, Baixio das Bestas (2007), todavia, deixou a desejar.
A história se passa numa comunidade nordestina fictícia chamada Baixio das Bestas, e gira em torno da adolescente Auxiliadora (Mariah Teixeira). Ela vive com seu avô Heitor (Fernando Teixeira) e é abusada sexualmente por ele, tendo também de se expor nua a caminhoneiros, em troca de dinheiro.
Paralelamente, acompanhamos a vida de Cícero (Caio Blat), um garoto de classe média que se comporta como Alex, da Laranja Mecânica. Ele e seus amigos, um deles interpretado por Matheus Nachtergaele, cometem as mais diversas atrocidades – como atropelamentos e estupros - e permanecem impunes.
O filme também retrata principalmente a condição das mulheres nordestinas, que na tela aparecem maltratadas ou então contribuindo para que a violência e o machismo que sofrem se perpetue, vide a prostituta que aprova o espancamento de uma colega ou a conduta permissiva da mãe de Cícero.
Isso tudo, porém, dificilmente consegue envolver o espectador, uma vez que os personagens (que já não são tão interessantes se comparados aos de Amarelo Manga) são apresentados de forma ligeira e superficial.
Além disso, mais do que concentrar esforços na construção de uma tragédia densa, Cláudio Assis preferiu utilizar uma narrativa frouxa, repleta de cenas soltas e inconclusas – como quando mostra trabalhadores cortando cana, artistas ensaiando maracatu ou um homem abrindo uma valeta.
Baixio das Bestas acaba assim apenas ilustrando uma realidade que podemos conhecer através de reportagens jornalísticas ou visitando qualquer vilarejo pobre brasileiro.

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29 de ago. de 2007

+ Teatro
A Escócia não fica na Europa
Companhia Amok transporta a tragédia do general Macbeth para um novo universo
Foto: Denise Benevides

Criados por Stéphan Brodt, os figurinos fundem elementos do vestuário de diversas culturas orientais.

Pelo menos na montagem de Macbeth realizada pela companhia carioca Amok Teatro, a Escócia que serve de pano de fundo para a tragédia shakespeariana não é a mesma que figura nos mapas oficiais. Nesta nova configuração, a Grã-Bretanha inteira deve ficar em algum lugar na Ásia.

A peça – que estreou em 2004 –, esteve em cartaz em Curitiba no Teatro da Caixa, na sexta-feira e sábado passados (24 e 25), e impressionou pela forma com que fundiu elementos de várias culturas, sobretudo asiáticas, ao invés de tentar reproduzir um clima britânico medieval.

Basta olhar para a foto acima e perceber, por exemplo, os exóticos figurinos de Macbeth (Stéphane Brodt, à esq.) e Banquo (Ricardo Damasceno, dir.).

Busca pelo essencial
Outra característica interessante da montagem dirigida por Ana Teixeira foi a capacidade de enxugar tanto o texto, como personagens (cerca de 30 no original, eles foram reduzidos a 10) e cenário (um fundo vermelho e um tapete).


Apesar de ser uma peça soturna, na qual aparecem bruxas e fantasmas, tampouco há fumaça, luzes ou sombras excessivas, nem outros recursos estrambóticos.

O fulcro da peça é mesmo o trabalho dos atores e o texto de Shakespeare, que foi muito bem manejado e também acrescido de algumas interjeições e pequenas cantorias em uma língua estranha, provavelmente inventada.

O peso do texto shakespeariano
Mesmo assim, toda essa simplicidade sofisticada e criativa não impediu que em vários momentos o sono – temido por Macbeth (depois que assassinou o rei enquanto este dormia) e por qualquer diretor – acabasse capturando uma pequena parcela do público.

Vale levar em consideração que talvez esses dorminhocos tivessem acordado cedo ou então não estivessem acostumados a ouvir tantos personagens imersos em prolixas conjeturas, como de praxe ocorre nas peças do bardo inglês.

Ana realmente não teve culpa se alguém “pescou” ou se impacientou ao longo do espetáculo, afinal inclusive para sacudir a platéia, ela fez os atores em diversos momentos entrarem e saírem do palco pelos corredores do teatro, passando ao lado das poltronas.

Sem falar que a fantástica trilha sonora ao vivo também contribuía para que nos mantivéssemos bem despertos.


Foto: Denise Benevides

À esq., o multiinstrumentista Carlos Bernardo.

Trilha sonora é outro destaque da montagem
Composta e executada pelo multiinstrumentista Carlos Bernardo, a trilha sonora de Macbeth merece parágrafos à parte. Segundo o programa da peça, Carlos toca 17 instrumentos, oriundos de 13 países - do bongô cubano ao saz (instrumento de corda) turco.


Carlos permanece o tempo todo em cena, no geral sentado em seu cantinho como sonoplasta, mas ainda se levanta às vezes para encarnar um personagem músico. Sua trilha além de fornecer um colorido especial à peça, complementa e enriquece a narrativa da história.


Retrospectiva Amok Teatro
Grupo carioca trouxe a Curitiba três espetáculos e uma oficina

Foto:Renata Colaço

Stéphan Brodt encarna Artaud no monólogo Cartas de Rodez.

Desde o dia 24, a companhia carioca Amok Teatro está na cidade. O grupo apresentou a já citada Macbeth e a peça Savina (que trata sobre o universo cigano) no dia 26.

Além disso, ao longo dessa semana a companhia ministra uma oficina de trabalho corporal e improvisação, e apresenta o monólogo Cartas de Rodez (sobre o período, de 1943 a 1946, em que Artaud esteve internado no manicômio de Rodez) na próxima sexta, sábado e domingo (31, 1º e 2/8) no Teatro da Caixa.

Sobre a companhia
Criada em 1998 por Ana Teixeira e pelo francês Stéphan Brodt, a Amok Teatro fundamenta seus trabalhos principalmente sobre as teorias de Etienne Decroux (1898 -1991) e Antonin Artaud (1896 - 1948).


O grupo já recebeu os prêmios Shell e Mambembe pela montagem de Cartas de Rodez (1998), e o prêmio Governo do Estado do Rio de Janeiro pelo espetáculo O Carrasco (2000).

O nome Amok vem do título de um conto do escritor austríaco Stefan Zweig. Essa palavra de origem malaia significa uma espécie de raiva que pode acometer uma pessoa e levá-la a praticar atos violentos e impensados.

Para saber mais sobre a companhia, visite o site
www.amokteatro.com.br .

Serviço
Cartas de Rodez. Dias 31, 1º e 2/9, sexta-feira e sábado às 21 horas, domingo às 19 horas. Ingressos a R$ 16 e R$ 8 (clientes, idosos e estudantes), à venda no Teatro da Caixa. Informações pelo tel. 2118-5111.

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23 de ago. de 2007

+ Cinema
Ian Curtis ganha cinebiografia



Ok, eu estava por fora. Mas talvez você que lê este post também estivesse. Só fiquei sabendo ontem, através do Diário Catarinense, que teremos em breve nas telas uma cinebiografia de Ian Curtis, o líder suicida do Joy Divison.

O filme se chama Control (em referência à música "Shes's lost control", que trata de uma garota epilética como Ian), e estreou em maio no festival de Cannes. (Quando virá para Curitiba, aí é outra história...)

Rodado em preto e branco, Control é o primeiro longa-metragem do diretor inglês Anton Corbjin, que há muito ganha a vida como fotógrafo, retratando principalmente bandas de rock - vide o próprio Joy Divison, U2, Captain Beefheart e muitas outras.

A figura intrigante de Ian Curtis já tinha aparecido no filme A Festa Nunca Termina (24 Hour Party People, 2002), interpretado por Sean Harris. Em Control, quem encarna o músico é o ator Sam Riley.


O trailer do filme você assiste clicando aqui.

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22 de ago. de 2007

+ Leituras
Jornalismo transcendental

De tempos em tempos descubro algum jornalista cujos textos realmente me cativam tanto quanto os de um grande escritor. Primeiro foi o João do Rio. Depois o Tom Wolfe. E agora o Kurt Tucholsky.

Ando lendo este livro dele ultimamente: Hoje Entre Ontem e Amanhã (Livraria Almedina, Coimbra, 1978), que é uma coletânea de vários textos. Um que gostei bastante foi esta crônica escrita em 1926, intitulada "Saudação para o futuro". Seguem alguns trechos:

Caro leitor de 1985:
Por um acaso qualquer andaste a vasculhar na biblioteca, deste com a Mona Lisa [Tucholsky se refere ao seu livro O Sorriso de Mona Lisa, de 1928, no qual esta crônica foi republicada], ficaste estupefacto e aí estás a lê-la. Bom dia!

Estou muito confuso: o teu fato é completamente diferente do meu tempo; diverso é também o modo como usas a massa cinzenta... Já tentei começar três vezes, de cada vez com um tema novo: temos mesmo de arranjar um ponto de contacto... (...)

Tudo na minha pessoa te parece antiquado: a minha maneira de escrever, a minha gramática, as minhas atitudes... Ah! Não me dês pancadinhas nas costas, que eu não gosto disso. É em vão que tento dizer-te como nos corria a vida, o que aconteceu no nosso tempo... mas... nada. Sorris, a minha voz ressoa do passado, impotente, e tu já sabes tudo.

Queres que te fale do que impressionava a gente da aldeola do meu tempo? De Genebra? De uma estreia de Shaw? De Thomas Mann? Da televisão? De uma ilha de aço no meio do oceano para base de aviões? (...)

Queres que te lisonjeie? Não consigo. É evidente que vocês não resolveram a questão: "Sociedade das Nações ou Paneuropa?"; é que as questões não são resolvidas pela humanidade, vão ficando por resolver.

Claro que vocês têm todos os dias ao vosso dispor mais trezentas máquinas inúteis que nós, mas de resto são tão estúpidos ou tão espertos como nós, iguaizinhos. (...)



Kaspar Hauser, Peter Panter, Theobald Tiger e Ignaz Wrobel foram alguns dos pseudônimos de Kurt Tucholsky, este grande jornalista, escritor e satirista alemão. Nascido a 9 de janeiro, em Berlim, mudou-se para a França em 1924 e depois para a Suécia em 1930. Em seu exílio nesse último país (Tucholsky teve sua cidadania alemã cassada em 1933 pelos nazistas), entra em uma grave crise existencial e morre depois de ter ingerido veneno, em 1º de dezembro de 1935.

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