31 de dez. de 2006

De férias no Eldorado

Se não existisse o Rio, o que seria de nós? Todos querem ir para o Rio. Um dia o curitibano abre as janelas para a Guanabara, desperta a mulher que dorme com ele e vai para a praia. A mulher também é intelectual, lê só livros estrangeiros, faz poemas ou é atriz de cinema. Quando volta da praia e almoça, chega o editor. Entrega-lhe um cheque enorme e implora pelos originais. O intelectual curitibano entrega-os sob promessa de receber, além do sinal de contrato, dez por cento sobre o preço de capa. À tarde há um giro pelas galerias de arte, visita amigos, dá autógrafo no elevador. Um só, porque tem pressa: dali a pouco haverá uma estréia e ele é convidado especial. A mulher que está ao seu lado já não é a mesma (quem seria a que o acompanhava na galeria de arte?); é outra, longos cabelos, alta, parece que um manequim francês. À saída, coquetel e esticada na boate. (...) Assim sonham os pobres diabos intelectuais nas madrugadas curitibanas, depois do segundo gole. Sonho sonhado à custa de bebida barata, paga pelo amigo.

JAMIL SNEGE, “Tempo Sujo”
















Pois é, estou no Rio. Depois eu digo mais.

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23 de dez. de 2006

Música
Uma experiência religiosa
Com uma apresentação sisuda, perfeccionista e repleta de clássicos, Echo and The Bunnymen deixa público curitibano hipnotizado

http://www.rabisco.com.br/78/religiosa.htm
Publicado na revista eletrônica Rabisco, em maio de 2006

Verdade seja dita: o álbum Siberia (2005) é um dos mais fracos que o Echo and The Bunnymen já lançou, assim como o What are you going to do with your life (1999). Não fez diferença nenhuma nele a participação de Hugh Jones, o mesmo produtor do excelente Heaven Up Here (1981). Há muito que o Echo deixou para trás aquela pegada ao mesmo tempo punk e sinistra, como só eles sabiam fazer. Ian McCuloch agora só pensa em se tornar uma espécie de Frank Sinatra. Ultimamente compõe músicas tão piegas quanto o Chris Martin (“What if we are” e “Everything kills you”, em Siberia, exemplificam o que estou falando). Enquanto isso, Will Seargent faz suas experiências psicodélicas e eletrônicas com Glide, seu projeto paralelo, porém no Echo sua criatividade é refreada.

De modo que, graças aos céus, a banda tocou nos shows brasileiros apenas três ou quatro músicas deste já devidamente vilipendiado Siberia, dando preferência aos clássicos de muitos anos atrás. No show realizado em Curitiba (29/04), tal qual no Rio de Janeiro e São Paulo, tudo começou como nos anos 80. Primeiro, o canto gregoriano. Depois, da “phantom” vermelhinha de Will Seargent brotaram os primeiros acordes de “Going Up” (faixa número um do álbum de estréia do Echo, Crocodiles), executada num andamento mais arrastado do que o normal. Isso deixou a música muito mais soturna, mais pesada do que nunca, sendo que o show inteiro seguiria então por essa mesma linha.

“If they’re watching my film, analysing me…”, a voz de McCulloch também soava bem diferente daquilo que ficou registrado em vinil. Desde Electrafixion – banda que Ian e Will formaram na década de 90 –, cristalizou-se nele esse timbre de um homem eternamente gripado, a garganta curtida por tanto fumo e bebida. Pelo menos se Mac não alcança tantas notas como antigamente, a maturidade tem lá suas vantagens e ele hoje não desafina.

“Show of Strength”, do segundo disco, o já citado Heaven Up Here, veio na seqüência, incendiando o reduzido público presente no Curitiba Master Hall. Umas quatrocentas pessoas? Mais ou menos isso. No entanto, fizeram um barulho danado. Afinal, eram todos fãs devotados e cantaram junto com a banda a maioria das músicas, inclusive as de Siberia: o hit “Stormy Weather”, “Of a Life”, a monótona “Scissors in the Sand” e “In the Margins”, na qual Will pôde destilar um pouquinho de seus efeitos “espaciais” na guitarra, tão característicos, como faz em Glide.

Por falar em espacial, o que dizer da vestimenta de Seargent? Um paletó negro abotoado, à la Star Wars, lhe dava um toque de oficial das tropas de Darth Vader. Ian estava igualmente cartunesco, com um visual noir e com seus tradicionais óculos escuros. Os outros jovens músicos acompanhantes, vestidos apenas como “jovens músicos acompanhantes” destoavam completamente dos dois.

O set-list foi completo com uma variedade de clássicos do calibre de “Seven Seas”, “Never Stop”, “Killing Moon”, “Rescue”, “Lips Like Sugar” e por aí afora. Emendaram também covers do Lou Reed, “Take a walk on the wild side”, e The Doors, “Roadhouse Blues”, influências das quais a banda nunca conseguirá se livrar.

No final, o resultado foi uma apresentação bastante séria, perfeccionista e que agradou imensamente a todos os fãs. Se Will Seargent já disse uma vez (é dele aquela idéia de colocar o canto gregoriano) que desejaria que os shows do Echo and The Bunnymen envolvessem o público tal como “numa experiência religiosa”, pois bem: assim foi.

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11 de dez. de 2006




https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,producao-da-peca-leonce-e-lena-em-busca-de-elenco,20060224p5228.amp

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Música A metamorfose do Dr. Nêmesis Arrigo Barnabé estreou, em Curitiba, obra inédita com a Orquestra à Base de Sopro No sábado e domingo (9 e 10) passados, tivemos show do Arrigo Barnabé em Curitiba, mais especificamente no teatro do “museu do olho”, o Museu Oscar Niemayer. Na estréia, poltronas quase lotadas. Resultado de uma considerável divulgação e do bom número de fãs na cidade. Segundo Arrigo, a primeira parte da apresentação seria mais leve, tendo em vista que em “A Metamorfose”, que ele compôs especialmente para esse concerto com a “Orquestra à Base de Sopro”, a coisa iria esquentar. E foi assim mesmo. De início, só ele cantando ao piano a valsa “Toda Nudez”, e mais algumas canções que, como ele mesmo disse, não podiam muito bem ser chamadas como tal. “Diversões Eletrônicas”, por exemplo. É um texto (caótico) com música, não uma canção. Porém o “orgasmo total” da noite, sem o perdão do trocadilho (pra quem não sabe, “Orgasmo Total” é o nome de uma música dele, também executada nessa apresentação), foi realmente a sua “Metamorfose”. A letra em determinado trecho já avisava para não ser confundida com título de livro: “Não é Kafka, nem Ovídio. Nem Paulo Coelho”. Pois a metamorfose nada mais era do que um “jingle sinfônico” de mais dez minutos sobre o misterioso serviço de rejuvenescimento prestado pelo doutor "Nêmesis". “Você quer mudar a sua visão de mundo? Não, você só quer parecer mais jovem!” (trecho de “A Metamorfose”) Mais uma vez, como em “Kid Supérfluo”, Arrigo provocava certos valores da nossa sociedade. Neste caso, a busca desenfreada pela beleza e pela juventude eterna. “Chega um momento na vida em que tudo perde a graça. Você se sente como uma lambisgóia, ou um lambisgóio”, dizia a letra, e é bem possível que o tema envolva um certo dilema enfrentado pelo próprio Arrigo, não mais o jovem da vanguarda paulista dos anos 80, mas um homem de meia-idade, com 55 anos. Todavia, Arrigo ainda mantém a pose de garotão no palco, seja pela sua verve ou pela sua aparência mesmo, com seus cabelos desgrenhados, de tênis e calça jeans.
Sua performance como o insano doutor Nêmesis – “Dr. Nemêsis? Dr. Menezes?”, perguntavam incrédulas as cantoras do trio “Noivas de Alfreddo” (Daniella Gramani, Melina Mulazani e Roseane Santos), que faziam os back vocals –arrancavam risos não só do público como dos próprios músicos da Orquestra conduzida pelo regente Sérgio Allbach.
No final, teve direito a bis. Porém aos pedidos de “Clara Crocodilo”, “Tubarões Voadores”, “Londrina”, Arrigo respondeu: “Fica pra outro concerto. Tem que ensaiar”. Deixou o público querendo mais.

Teatro

“Wenn man ins Theater geht wie in die Kirche oder in den Gerichtssaal, oder in die Schule, das ist schon falsch. Man muß ins Theater gehen wie zu einen Sportsfest”.(Bertolt Brecht, Schriften 1, Suhrkamp Verlag, pág.56)

“Nada a ver ir ao teatro como se fôssemos a uma igreja, a um tribunal ou a uma escola. Bora ir ao teatro como quem vai a um evento esportivo”.

Eletrizante como uma boa luta Na peça "Box’s", escrita e dirigida por Andrew Knoll, a saga do pugilista Tito Palito mostrou-se repleta de humor e criatividade Tanto as mostras de teatro, como as provas públicas da Faculdade de Artes do Paraná, reservam sempre boas surpresas aos seus espectadores. Peças como "Angel City" e "Parasitas", realizadas no ano passado, exemplificam o que estou dizendo. Na última semana (entre 30/11 a 3/12) tivemos novamente algumas peças da FAP pela cidade e, entre elas, destaco a montagem de “Box’s’”, prova de direção do formando Andrew Knoll, que aconteceu na Casa Vermelha, no Largo da Ordem. Descrita de forma indigesta como uma “tragédia-love-pop-cult-spagetti-coração-latin-ítalo-peperone” no e-mail de divulgação, o termo bem ou mal sintetiza o que foi esse espetáculo. Acima de tudo, Box’s era uma tragédia de amor nos moldes de um filme “b”, daqueles de pancadaria que passavam (ainda passam?) no “Domingo Maior”, porém dispensando a violência e o sangue habituais. Andrew dirigiu, escreveu e atuou nessa peça que trata de um boxeador chamado Tito Palito (Nawbert Cordeiro), o qual luta por dinheiro nos porões escuros do “Tóquio Boxe Show”. “Aqui em Tóquio é foda”. (trecho de "Box's") Lá ele peleja com seu eterno adversário, o Peperoni (Ricardo Juchem), flerta com a oportunista Daniela (Cláudia Spunked) e é adulado tanto pelo dono do “Tóquio” (Andrew Knoll), como pela Mídia Vampiresca (Fernanda Albanaz). Mas apesar de ser um lutador de talento, uma verdadeira promessa do esporte, Tito é um sujeito em crise e possui uma dificuldade de existir no mundo – mundo esse apocalíptico, diga-se de passagem, uma terra devastada como a de "Mad Max”. (Pensando bem, “Box’s” tem muito desse filme, como de outros do gênero). O desamparo de Tito fica ainda maior quando sua amante, a gostosona Judy (Verônica Rodrigues), lhe dá um pé na bunda. Tito então pensa em se matar, pensa também em matá-la e, no final, é o que acaba fazendo. Todavia, isso não é narrado simples assim, de forma linear. A trama é cheia de saracoteios e flashbacks e, pelo menos eu, só fui entendê-la melhor depois de assistir a peça três vezes. Não que eu seja um abilolado completo (pode ser também), mas é que a montagem era tão criativa, engraçada, tão cheia de detalhes, que era impossível apreender aquilo tudo de uma vez só. No final de cada apresentação dava vontade de assisti-la novamente, tanto para perceber algo novo, como para dar boas gargalhadas. Um grande mérito de Box’s foi mesmo o seu senso de humor “trash”, porém apurado ao mesmo tempo, bem feito. Sem contar que, além de fazer rir, a peça apresentou imagens bastante inventivas e poéticas também. “O fundo do poço não é tão longe. O fundo do poço está à distância de um tropeço”. Compor um ringue vivo para as lutas do “Tóquio Boxe Show”, por exemplo, com atores sustentando fitas elásticas, feito aquela brincadeira que as crianças, sobretudo as meninas, faziam, lembram? Pular elástico? Genial. Algo tão simples e, ao mesmo tempo, complicado. Os quatro atores que formavam esse quadrado, que por vezes assumia outras formas e se desmontava, tiveram que realizar uma verdadeira coreografia com aquelas fitas. Além dessa idéia do ringue, houve muitas outras de grande imaginação, do tipo fazer os lutadores brigarem feito um jogo de Atari, ou então quando Judy arrebenta um bracelete de “pérolas” e além das bolinhas que se espalham pelo chão, outras gigantes (de isopor) “caírem” do céu. Interessante observar também a importância da interação do público para essa montagem que já começava, não gratuitamente, como uma “balada”. Knoll pretendeu enxotar a nossa passividade a princípio criando essa atmosfera de uma boate, com os atores nos incentivando a dançar com eles. Mais tarde seríamos transformados realmente em torcedores à beira do ringue e, por fim, tudo se encerraria como no início: uma festa. Eis o exemplo de um teatro vibrante.

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