31 de mar. de 2010

Teatro)))
Pra pensar o negro
Algumas reflexões sobre Negrinha e Cabaré da Raça, peças que vi, não faz muito tempo, aqui em Salvador

Buscar entender o que foi a escravidão, assim como refletir sobre o racismo não eram coisas que eu fazia muito em Curitiba. É certo que a imbecilidade da discriminação sempre me incomodou. Mas vivendo em um ambiente não tão negro assim, confesso que não me sentia muito estimulado a pensar nisso.

Morando em Salvador é diferente. Na capital que possui a maior população negra do Brasil, as discussões sobre esse universo são constantes. E fica bem mais difícil se abster de pensar nesse assunto sério, mesmo para um branquelo como eu. Nesse sentido, recentemente foi muito bom ter assistido a peças de teatro como Negrinha e Cabaré da Raça.

No caso de Negrinha, nem é um produção soteropolitana, como muitos sabem. Mas foi em Salvador, no dia 5 de março, mais especificamente no casarão do Instituto Feminino de Cultura, que puder ver esse monólogo. Basicamente, ele resgata o período da escravidão através dos relatos de uma criança negra que passou a vida levando croques dos senhores na casa grande e vendo gente ser torturada na senzala.

Quem faz o papel da Negrinha é a atriz Sara Antunes – uma das fundadoras do Grupo XIX de Teatro, companhia radicada na capital paulista. Com sua personagem, criada a partir de um conto homônimo de Monteiro Lobato, Sara nos lembra o tanto que o povo negro foi vilipendiado ao longo do período oficial de escravidão, e como ele se manteve cativo e marginalizado mesmo após o 13 de maio.

E se em Negrinha o passado foi vislumbrado criticamente, em Cabaré da Raça, peça dirigida por Márcio Meirelles, era a situação atual do negro que se colocava em pauta. “O negro hoje até aparece mais na televisão mas, quando isso acontece, são as questões do negro que são colocadas na tela?”, questionava um personagem desse cabaré composto por atores que assumiam diversos estereótipos: o negão fodido, o modelo bem sucedido, o malandro, o militante intelectual, só para citar alguns.

Gostei da forma direta com que o Bando de Teatro Olodum questiona o comportamento do negro e vai de encontro aos tabus. Que religião deve o negro adotar? Todo mundo tem que ser de candomblé? Será que o mito do negro "sex-machine" não cria uma imagem reducionista, ofuscando outras de suas potencialidades? Será que o negro não discrimina os seus semelhantes, agindo tal e qual um branco racista? Eis algumas das muitas perguntas que invandiam o palco do Teatro Vila Velha, sendo que muitas respostas foram dadas pela própria plateia, que era convidada a interagir.

Algumas impressões
Apresar de sentir falta de uma complexidade maior na dramaturgia de Negrinha, gostei bastante da desenvoltura da atriz Sara Antunes – que está há três anos excursionando com essa peça. Achei também muito boa a escolha de usar recursos cênicos simples, explorando, por exemplo, a escuridão, luz de velas e objetos domésticos como um pilão ou uma bacia. Tudo isso, bem manejado, prendeu a atenção do público até o fim.

Quanto ao Cabaré da Raça, mais uma vez vi que uma peça educativa pode ser sim muito boa. Isso porque os atores e atrizes do Bando de Teatro Olodum são porretas mesmo, e a peça acerta a mão quando quer ser cômica ou incisiva. Descambar para piadas sem graça ou cair em ofensas gratuitas seria um risco nesse cabaré, mas não foi assim, pelo menos na montagem que vi no último sábado.

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24 de mar. de 2010

Teatro)))
Ariane Mnouchkine, no Vila
Inédito no Brasil, novo documentário sobre Ariane Mnouchkine e seu Théâtre du Soleil estreou na terça-feira, em Salvador, no Teatro Vila Velha


Ariane Mnouchkine l'aventure du Théâtre du Soleil (2009)

Ariane Mnouchkine passando um sabão num ator cambojano que se recusa a aprender a ler... Ariane mandando atores afegãos vestirem burcas para experimentar como é bom ser uma mulher no Afeganistão... Ariane a revelar, na China, que suas forças podem acabar, mas que o Théâtre du Soleil continua mesmo sem ela...

Cenas como essas, retratando uma das mais importantes encenadoras do teatro contemporâneo, hoje com 71 anos, foram vistas na terça-feira (23) no Teatro Vila Velha. Inédito no Brasil, o documentário Ariane Mnouchkine l'aventure du Théâtre du Soleil (2009), dirigido por Catherine Vilpoux, estreou em Salvador para um público de aproximadamente 30 pessoas.

Apesar de não ser um documentário muito aprofundado, em 75 minutos ele apresenta um bom panorama sobre a trajetória de Ariane e sua companhia. E quem esteve presente no Cabaré Café pôde conhecer ainda um pouco mais sobre o universo do lendário grupo francês em um bate-papo com a jornalista, pesquisadora e produtora teatral Deolinda Vilhena.

Estudando o Théâtre du Soleil há uma década, Deolinda tinha histórias de sobra para contar. Ainda mais que conviveu com a trupe de Ariane por cinco anos, em Paris, para apresentar, em 2007, uma tese de doutorado na Sorbonne sobre os modos de produção do Soleil.

Importância
“O teatro francês pode ser dividido em antes e depois de 1789 [peça sobre a Revolução Francesa, apresentada em 1970]”. Com essa afirmação sobre um dos mais celebrados espetáculos do Théâtre du Soleil, Deolinda não esconde a sua paixão pelo grupo. “É nesse tipo de teatro que eu acredito.” Independente de as pessoas gostarem ou não dos espetáculos dirigidos por Ariane – como uma senhora na platéia, que disse não achar nada demais neles –, Deolinda afirma que o posicionamento ético da diretora é exemplar. “Pode-se discutir uma porção de escolhas que ela faz, mas é fato: há 46 anos Ariane se mantém fiel a seus ideais, mostrando que é possível fazer teatro de um outro jeito.”


E para quem também é fã de Ariane, Deolinda traz boas notícias. De acordo com ela, há uma grande chance de o Théâtre du Soleil vir ao Brasil em 2011, com o novo espetáculo Les Naufragés du Fol Espoir. Seria a segunda visita ao país, depois da apresentação de Les Éphémèrs em São Paulo e Porto Alegre, em 2007.

Algumas curiosidades sobre o Théâtre du Soleil

Controle total
Segundo Deolinda Vilhena, Ariane Mnouchkine supervisiona absolutamente tudo na Cartoucherie de Vincennes, sede do Théâtre du Soleil, em Paris. "Ela recebe o público na entrada do teatro, certifica-se de que a comida servida antes da peça está boa e, se algo sair errado, seja na apresentação ou na recepção das pessoas, ela faz questão de devolver o dinheiro dos espectadores na mesma hora."

Turnês
O Théâtre du Soleil só deixa Paris se conseguir levar toda a estrutura da Cartoucherie de Vincennes para outros países. Das arquibancadas à louça usada pela trupe, ou vai tudo com eles, ou nada feito.

Admissão
Para se candidatar a uma vaga no Théâtre du Soleil, o primeiro passo é escrever uma carta, apresentando um bom motivo para fazer parte do grupo. Currículos ou indicações pouco importam. O que vale é o bom motivo. A partir disso, uma multidão de pessoas pré-selecionadas são convidadas a participar de um workshop que funciona como um processo seletivo. “De 800 pessoas que fazem o teste, só umas 10 ficam”, conta Deolinda. “Lá o critério de seleção é o mais subjetivo do mundo. Conquistar a simpatia do grupo é um dos critérios mais importantes para se entrar no Soleil.” Segundo Deolina, na torre de babel da Cartoucherie, os brasileiros representam uma grande fatia de uma equipe de cerca de 80 pessoas, perdendo em número apenas para os italianos.

Subvenção e grana curta
O Théâtre du Soleil não aceita nenhum patrocínio de empresas privadas. “Ariane lembra assim ao Estado que ele tem a obrigação de investir na cultura”, aponta Deolinda. Entretanto, o Soleil tem apenas 30% de seus custos bancados pelo governo – recebendo uma subvenção de um milhão de euros por ano. Setenta por cento dos custos restantes é pago com a bilheteria dos espetáculos. “Por isso o Soleil depende do sucesso. Se uma peça não dá certo, quem assume o prejuízo são os próprios integrantes do grupo. Eles chegam a ficar sem receber o salário pleno deles, e entram numa espécie de seguro desemprego. ” Deolinda explica que, desde a fundação do grupo em 1964, todo mundo no Théâtre du Soleil recebe o mesmo salário, que é apenas 30% maior do que o salário mínimo francês.

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23 de mar. de 2010

Teatro)))
Um pesadelo de violência

Em Curitiba, estreia nesta quarta-feira (24) A Língua da Montanha, peça do dramaturgo inglês Harold Pinter, encenada pelo GRUTA

Baseada na obra do dramaturgo inglês Harold Pinter (1930-2008), vencedor do prêmio Nobel de Literatura e um dos principais nomes do teatro contemporâneo, estreia nesta quarta-feira (24) a peça A Língua da Montanha, encenada pelo Grupo de Teatro Amador (GRUTA) do Colégio Estadual do Paraná (CEP). “Off Festival de Curitiba”, a montagem fica em cartaz até sábado (27), no Salão Nobre do CEP, sempre às 20 horas. A entrada é gratuita.

Sem apresentar um enredo claro – com começo, meio e fim ou personagens bem definidos –, a peça aborda questões sobre dominação e violência, mostrando, por exemplo, o tratamento dado por soldados a mulheres e prisioneiros que falam uma língua proibida: a "língua da montanha".

Um esboço dessa obra foi escrito por Pinter em 1985, logo após ele ter visitado a Turquia, onde presenciou a repressão sofrida pelos Curdos naquele país. Finalizando a peça em 1988, o dramaturgo afirmou que ela não aludia exclusivamente à situação dos Curdos, mas sim a de todos os povos que já foram ou continuavam reprimidos.

Pioneira em Curitiba, a montagem do GRUTA tem a coordenação do diretor e ator Hermisson Nogueira, que como de praxe valoriza sobretudo o trabalho corporal de seus pupilos. Truques como fumaça, projeções ou figurinos especiais são dispensados. A participação de um coral regido pelo maestro Alvaro Naldony também contribui para instaurar no Salão Nobre do CEP uma atmosfera de pesadelo.

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18 de mar. de 2010

Memória)))
O guardião da história do rádio
Perfilino Neto conta a história do rádio e celebra 50 anos de carreira


Usado na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) pelas tropas americanas, um rádio de ondas curtas Hammarlund repousa intacto na “casa- museu” do radialista e jornalista Perfilino Neto, na Ladeira do Pepino, no Engenho Velho de Brotas. Assim como o precioso aparelho, Perfilino, 69 anos, até hoje se mantém em sintonia com as ondas radiofônicas da Bahia, do Brasil e do mundo. Completando meio século de carreira, ele continua apresentando programas na Educadora FM - Memória do Rádio e Encontro com o Chorinho - e segue firme como uma espécie de guardião baiano da história do rádio.

Aliás, invento que Perfilino defende ter sido criado pelo padre brasileiro Roberto Landell de Moura (1861-1928), e não pelo italiano Marconi (1874- 1937). O lançamento do livro Memória do Rádio (R$ 40/ 240 páginas) é mais um esforço para passar a história do rádio a limpo. Nesta quinta-feira (18), às 18 horas, o autor promove uma noite de autógrafos na loja de discos Pérola Negra, no Canela, com a presença esperada de músicos amigos como Luiz Caldas, Xangai e Roberto Mendes.

Predadores
O livro é o primeiro de outros volumes que virão, narrando passagens do rádio soteropolitano e também denunciando o descaso que a memória do rádio local tem sofrido. “Demorei um ano para escrever o material. Nele, revelo como a maioria dos diretores de emissoras foi e ainda é predadora do rádio”, afirma. Ele lembra, por exemplo, como uma série de entrevistas feitas pelo respeitável historiador Cid Teixeira foi para a lata do lixo. “Imagine... entrevistas de valor histórico feitas com Jorge Amado, mãe Menininha do Gantois, Glauber Rocha e outras personalidades. Tudo jogado fora, graças a um capricho de José Wilson, o coordenador da rádio na época, que achava esse material obsoleto. No Brasil, a memória vai para o lixo.”

Acervo rico
Perfilino, desde o início da carreira, fez questão de guardar todo o material que achava importante, montando um rico acervo próprio. Pelos seus cálculos, ele tem cerca de 18 mil LPs, 14 mil CDs, seis mil compactos de vinil e três mil fitas K-7. “A chegada do homem à Lua, Juscelino Kubitschek cantando serestas, Pelé dedicando o milésimo gol às crianças, o que você quiser de música ou documento radiofônico eu tenho”, garante.

Ele conta ainda que desenvolve um trabalho contínuo de digitalização de discos raros, transformando-os em mp3 e CDs: “Uso a tecnologia de softwares como o Sound Forge em prol da memória”. Perfilino é vidrado em rádio desde pequeno, quando seu pai trouxe para casa o primeiro Philips valvulado. “Meu pai era um radiomaníaco que não dispensava nem a Voz do Brasil. Como ele, logo fiquei fascinado pelo rádio. Aos 12 anos já sabia que seria radialista.”

Imbatível
O início na profissão foi aos 19, levado por um amigo locutor à Radio Cultura, onde ficou por 43 anos. “Comecei como operador, mas aos poucos estava fazendo de tudo: locução, reportagem e edição”. Na época, exigia- se muito dos futuros radialistas. Era preciso ter cultura geral, saber escrever e ter noções de vários idiomas. Bem diferente de hoje, quando as emissoras investem pouco na formação dos profissionais e muitas apelam para programas popularescos.

O pesquisador acha que, por mais que outros veículos ganhem espaço, o rádio vai se manter imbatível. “Afinal, a TV ou outra mídia visual cobra a presença das pessoas, e o rádio não. Você pode ouvi-lo enquanto está fazendo outras coisas. Lavando louça ou dirigindo, por exemplo.” Na opinião de Perfilino Neto, o rádio também aproveita a modernidade para mudar suas ferramentas, usando o celular e a internet como aliados. Mas, em essência, continua o mesmo.

Encontros com Gonzagão e o papa
Estar em contato com uma porção de artistas e personalidades é para Perfilino Neto uma das melhores coisas de ser radialista e jornalista. “Ao longo de 50 anos de carreira, pude conhecer vários ídolos meus, como Cartola, Moreira da Silva e Jackson do Pandeiro”, lembra o radialista, que também é pesquisador da MPB.

As lendárias rainhas do rádio Emilinha Borba e Marlene também foram entrevistadas por ele: “Impressionante como elas eram simples e acessíveis, bem diferente das estrelas de agora. Os artistas de hoje são muito vaidosos e é uma tremenda dificuldade para falar com eles. Há sempre um empresário ou um segurança no meio”, afirma. Mas, de todas as personalidades, ele destaca o seu encontro com Luiz Gonzaga, em 1974, e com o papa João Paulo II, em 1980.

“Luiz Gonzaga era o ídolo da minha infância, que eu tanto ouvia em Juazeiro. E, quando o entrevistei, fiquei deslumbrado. Já no início da conversa ele começou a brincar comigo. Tirou até sarro do meu nome: ‘Oxe, Perfilino, que nome esquisito! Vou te chamar só pelo teu sobrenome Ferreira Neto’, disse”. A empolgação com o papo foi tão grande que Perfilino conversou com o rei do baião por quatro horas. “Até que ele parou e me disse: ‘Ferreira Neto, seu cabra da peste...’ Aí senti que já era hora de parar.”

Já o encontro com o papa João Paulo II quase lhe rendeu uns safanões.“Na inauguração da Igreja de Nossa Senhora dos Alagados, ao me aproximar do papa para fazer uma pergunta, um segurança de repente me ergueu pelo colarinho. A sorte é que o papa viu aquilo e intercedeu por mim. Nesse meio-tempo, ainda consegui fazer uma pergunta sobre o que ele achava da reforma agrária na América Latina.”

Serviço:
Livro: Memória do Rádio. Autor Perfilino Neto. Editora Couto Coelho. Preço R$ 40 (240 págs.)
Lançamento: Hoje, às 18 horas, na loja Pérola Negra. Rua Marechal Floriano, 28, Canela
Publicado no jornal CORREIO, em 18/03/10

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17 de mar. de 2010

Artes)))
A OUTRA FACE DO PAISAGISTA
Mais conhecido por seus projetos paisagísticos, Roberto Burle Marx (1909 - 1994) também foi um artista plástico de mão cheia. Na mostra que estréia hoje, na Caixa Cultural Salvador, é possível conferir litografias, gravuras em metal e desenhos do artista

A litografia Itaituba é uma das obras da mostra O Gravador Roberto Burle Marx-Atelier Ymagos

Considerado o inventor do jardim moderno brasileiro, o arquiteto Roberto Burle Marx (1909 - 1994) ainda é mais conhecido por seu trabalho como paisagista. São de sua autoria, por exemplo, os jardins do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro; do Eixo Monumental de Brasília; e do Centro Administrativo da Bahia, em Salvador. Poucos lembram, porém, como este paulistano - que passou grande parte de sua vida no Rio de Janeiro - foi um artista múltiplo, atuando também como pintor, escultor, ceramista, tapeceiro e gravador.

É esta última faceta do artista que o público poderá conferir na exposição O gravador Roberto Burle Marx - atelier Ymagos, aberta para visitação gratuita a partir de quarta-feira, na Caixa Cultural Salvador. Inédita na cidade, a mostra reúne 84 obras produzidas por Burle Marx ao longo de nove anos no atelier paulistano Ymagos. “Em São Paulo e Brasília, por onde passou anteriormente, a exposição fez bastante sucesso por mostrar um lado do Burle Marx que muitos desconheciam”, conta o curador da exposição Sérgio Pizoli.

Ele esclarece que a maioria das peças que serão vistas na Caixa Cultural até o dia abril são feitas em litografia - técnica em que o artista primeiro desenha em tons de preto sobre uma pedra porosa, e só aplica cores na hora de imprimir o desenho em papel -, mas há também gravuras em metal e desenhos em bico de pena.

Grande parte dos trabalhos são imagens abstratas, e apenas três são figurativas. “Como muitos artistas, Burle Marx começou fazendo imagens que representavam objetos ou lugares reais, mas aos poucos foi sentindo a necessidade de ultrapassar a realidade comum, avançando para o abstracionismo", explica Pizoli. Dos trabalhos figurativos, o visitantes irão encontrar apenas três litografias baseadas em paisagens florestais - “verdadeiras obras primas”, na opinião do curador.

Obra aberta
As demais obras da exposição são marcadas por um "abstracionismo lírico” - nas palavras de Pizoli -, em que formas geométricas também apresentam traços figurativos. "Na litografia Luzes da Noite, por exemplo. É uma abstração. Mas você realmente tem uma visão de uma paisagem noturna. Na verdade, o bacana desses trabalhos é que são obras abertas, e no fim cada um vai enxergar uma coisa diferente, de acordo com a sua vivência."

Pizoli ressalta ainda que há obras presentes na mostra que guardam semelhança até mesmo com projetos de jardins de Burle Marx. "É como se tivéssemos plantas baixas, isto é, visões aéreas daquelas paisagens que ele projetava."

Cores e tons
O intenso jogo de cores é outra das principais marcas da mostra. "Utilizando uma técnica difícil como a litografia, é impressionante como ele extraía uma infinidade de efeitos visuais. Quem for à exposição verá então uma grande trama de cores e tons", adianta Patrícia Motta, uma das proprietárias do atelier Ymagos, e que inclusive conviveu com Burle Marx ao longo dos anos 80.

Energia de garoto
“Burle Marx transformava o nosso atelier em uma festa”, lembra Patrícia. “Ele estava sempre cantando, era amigo de todos os impressores e trazia flores exóticas do Rio de Janeiro, só para decorar o ambiente", diz ela, que destaca ainda a inteligência e vitalidade do artista. "Na última fase da vida dele, com mais de 80 anos, ele trabalhava com a energia de um garoto. E ainda fazia expedições com os amigos, para colher plantas e levar mudas para o seu sítio no Rio de Janeiro.”

A paixão pela natureza, que se veria refletida na maioria das obras de Roberto Burle Marx, surgiu cedo na vida do artista e paisagista. Quando criança, foi com a mãe Cecília Burle, uma pernambucana de origem francesa, que Roberto aprendeu a gostar da flora brasileira, acompanhando Cecília no cultivo dos jardins de casa.

Ecologista

Durante o período em que morou com a família na Alemanha - país de origem de seu pai Wilhelm Marx -, entre 1928 e 1929, o interesse pela botânica se intensificou ainda mais. “Foi visitando um jardim botânico na Alemanha, que continha vários exemplares da vegetação brasileira, que ele se descobriu como paisagista e como pesquisador da botânica", diz Sérgio Pizoli.

Daí em diante, esta área da biologia seria alvo constante de seus estudos ao longo da vida - a ponto de Burle Marx descobrir e batizar novas espécies de plantas, como Anthurium burle-marxii e a Begonia burle-marxii.

De acordo com o curador Sérgio Pizoli, graças à paixão pela natureza, Burle Marx se colocou como um dos primeiros artistas brasileiros a levantar sua voz e erigir uma obra contra a devastação do meio ambiente. "Onde está o homem está a destruição", chegou a escrever ele em uma carta de protesto contra a devastação da Amazônia em 1983.

A força exuberante do "verde" propagada por Burle Marx em seus projetos viraria até motivo de brincadeiras do escritor Nelson Rodrigues, que reclamava do "verde obsessivo, apavorante, alucinatório", do paisagista. "Os jardins de Burle Marx não têm flores. Têm grama e não flores. Mas, para que grama, se não somos cabras?", galhofava Nelson.

Modernismo
Ao lado de arquitetos como Lúcio Costa (1902-1998) e Oscar Niemeyer (foi amigo de ambos, e inclusive estudou com Niemeyer na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro), Roberto Burle Marx também esteve à frente da arquitetura moderna no país.

Dentre seus principais feitos, criou o primeiro Parque Ecológico do Recife (em 1937), assim como foi responsável pelo projeto paisagístico do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1955) e do jardim do Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte (1953).

PROJETOS DE BURLE MARX EM SALVADOR

Projeto da praça Terreiro de Jesus, no Centro Histórico
Também em Salvador, Roberto Burle Marx desenvolveu diversos projetos paisagísticos entre as décadas de 50 e 80. Dentre os mais importantes estão o projeto da praça Terreiro de Jesus, diante da Catedral Basílica, no Centro Histórico, e os jardins do Centro Administrativo e da avenida Luís Viana Filho, mais conhecida como Paralela.

Quem informa é o arquiteto Haruyoshi Ono, que trabalhou com Burle Marx por quase 30 anos. Ono diz que o escritório do paisagista também desenvolveu projetos para condomínios e hotéis da cidade, a exemplo do Othon Palace. Ele lamenta, porém, que a maioria dos projetos criados por Burle Marx esteja descaracterizada. "As estruturas dos espaços muitas vezes até permanecem, mas a vegetação original normalmente é alterada." Segundo Ono, a situação se repete em muitas outras cidades. "Até mesmo no Rio, onde Burle Marx passou a maior parte da vida, os projetos originais dele não são respeitados."


Publicado no jornal CORREIO em 16/03/10

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11 de mar. de 2010

Poesia)))
Geraldo Pereira, o "poeta pescador",
lança livros na capital baiana

Passando uma semana de férias em Salvador, o poeta Geraldo Pereira aproveita para lançar na capital baiana dois livros: o infantil A Formiguinha Ledora, e a coletânea de poemas em homenagem a poetas goianos intitulada Pescando Versos Graúdos em Terras Goianas. O lançamento acontece nessa quinta-feira (11), às 15 horas, na biblioteca central da Universidade Federal da Bahia (Ufba), em Ondina.

Para quem não conhece este autor nascido em Correntina, na Bahia, e radicado em Goiânia, vale dizer que os nomes dos livros lançados já dizem muito sobre a sua temática dominante. A metalinguagem e a intertextualidade são marcas constantes de Pereira, que se posiciona, em seus versos livres, como um "pescador de poetas e poemas".

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7 de mar. de 2010

Luiz Caldas)))
Deboches e fricotes do lado de fora do TCA

Na manhã de domingo, faltaram poltronas no Teatro Castro Alves para acomodar toda a legião de fãs de Luiz Caldas. Tietes que ficaram de fora do show protestaram com bom humor

Enquanto do lado de dentro do Teatro Castro Alves (TCA) o músico Luiz Caldas mostrava a sua versatilidade, no show “Toda Música de Luiz Caldas”, mesclando música erudita, rock e axé, do lado de fora do teatro o público que não conseguiu entrar no recinto mostrava toda a sua indignação.

Por volta das 10h30 de domingo, com o fim dos ingressos (que custavam R$ 1, dentro do projeto Domingo no TCA), os portões do teatro foram fechados – meia hora antes de o show começar. “Eu vou quebrar a cara do sujeito que trabalha aí e que disse que ainda haveria ingresso às dez horas”, bradava, diante do portão, um homem exaltado, que tentava negociar com uma atendente a sua entrada no teatro. “Vim aqui às 9 horas e não me deixaram pegar o ingresso e voltar para casa para tomar um banho. E agora quando eu volto não tem mais como comprar”, explicava. Segundo os atendentes do TCA, a prática de só vender ingressos para quem permanece dentro do teatro é adotada para impedir a ação de cambistas.

Bem menos raivosas, mas ainda sim bastante decepcionadas, estavam as irmãs Evanildes e Maria da Graça Silva. “Estamos frustradas. Foi meia hora de carro para chegar aqui e nada”, conta a pedagoga aposentada Maria da Graça, 60 anos. “Eu, minha irmã e minhas amigas somos todas fã antigas, do tempo de dançar o ti, ti, ti [diz ela, fazendo os passos de dança]. E do tempo em que o Luiz não gostava de andar de sapato”, lembra a enfermeira aposentada, Evanildes, 64. “Agora ele só anda calçado. Coitado, também ficou velho, juntou calo, não aguenta mais as agruras do solo”, brinca a enfermeira. “Se bem que, para a idade, ele ainda está bem sexy. Ainda dá algum caldo”, opina Maria da Graça.

Corpo a corpo com os seguranças
“Pega ela aí... Pra quê? Pra passar batom... Que cor?...” Na entrada lateral do TCA, batendo palmas, cantando e dançando, outras fãs tentavam persuadir os seguranças, para que eles liberassem a entrada. Na linha de frente, puxando o protesto, as “luiz caldetes” Margareth Lunna e Maria Lúcia se destacavam literalmente no maior “deboche” (nome como também era conhecido o estilo de música de Caldas). “Olha, sou empresária da costura, poderosa, estou solteira... Deixa eu entrar, segurança!”, dizia Maria, de 59 anos, que chegou ao TCA após as 10h30. “E pensar que fui vizinha do Luiz, em Vitória da Conquista. Meu irmão José Bonfim era amigão dele, e eu não posso ver o show”, contava ela, triste.

“Eu bem que poderia dar um carteiraço para entrar aqui, mas preferi apenas protestar”, disse a artista plástica Margareth, de 46 anos, indignada. “Poxa, sou artista reconhecida na Itália, meu ex-marido já tocou percussão com o Luiz, e eu ainda vim vestida especialmente para o show!”, argumentava, mostrando a sua saia “fricote”, tirada do fundo do baú. “Essa saia eu usava nos antigos shows dele. Deve ter uns 24 anos. E veja só, ainda cabe direitinho!”, contava, requebrando em frente ao TCA.

Meia hora depois de o show ter começado, os gritos de “Luiz Caldas, cadê você, eu vim aqui só pra te ver”, emitidos por Margareth e demais fãs ainda ecoavam perdidos pelo Campo Grande. Mas em vão. A organização do TCA se manteve irredutível em sua resolução de não colocar nenhuma pessoa no teatro além do número de poltronas disponíveis.

Já quem chegou cedo e pôde conferir o artista não teve do que reclamar. “Showzaço”, “maravilhoso” e “muito bom” foram alguns dos adjetivos ouvidos pela reportagem sobre a apresentação.

***

Luiz Caldas, meu parente



Em Curitiba, já perdi a conta das vezes em que ouvi esta pergunta: “E esse sobrenome Caldas? Você é parente do Luiz Caldas? Aquele da Tieta... que dançava descalço...?” Mesmo duvidando muito dessa possibilidade, sempre gostei de responder com um absoluto “sim”. Ainda mais que meu bisavô Aristides Caldas era baiano...

Pois bem. Para acabar de vez com esse dilema, levei a questão à pessoa certa. No fim do show de Luiz Caldas, lá estou eu, no camarim do Teatro Castro Alves, aguardando a minha vez para trocar uma ideia com ele. O acesso ao camarim, vale dizer, foi graças à Margareth Lunna, que literalmente me empurrou para dentro do teatro ao fim da apresentação, e graças à compositora
Juliana Ribeiro, que conhece o Luiz e também estava por lá.

Depois de uns vinte minutos de espera, chega a hora de eu conhecer pessoalmente o “pai da axé music”, que daquele visual antigo, de quando cantava “Tieta” ou “Fricote” nos anos 80, hoje, não carregada quase nada. Com um piercing no nariz, e todo vestido de preto – do all star, passando pela calça jeans, a camiseta e as unhas – o estilo de Luiz é o de
um roqueiro moderno. E é esse sujeito completamente repaginado que me recebe com um caloroso aperto de mão.

Em poucos minutos então resumo para ele o meu dilema: “Sou jornalista, de Curitiba, e lá todo mundo me pergunta se somos parentes. O que você acha?” Ao que ele responde, rindo: “Ora, quem sabe?
O ramo da família é muito grande. Por que não?”, diz Luiz, que depois pacientemente ainda dá um autógrafo ao “Franco Caldas, amigo e parente!” – palavras dele.

Publicado no Jornal TiraGosto em 09/03/10

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